Redução de horas ao Deslize só alargou vontade de estar
2003-12-19
[
Pedro Vila-Chã
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in JN
Redução de horas ao Deslize
só alargou
vontade de estar
Parece um sacrilégio pensar num bar alternativo, paredes-meias com a Sé de Braga. Em 1985, quando abriu, o Deslize adivinhava a direcção que a sociedade local seguiria, na senda da tendência de desmultiplicação de bandas a que a Bracara Augusta assistiu. Para quem acaba de "cegar" com a imponência da iluminação da Sé, a ambientação ocular tem de ser acompanhada pela suave descoberta das formas que a gerente, Sofia Cabral, desenhou na parede. A pintura enquanto o falar visível. "O mistério cintila no mistério. Dizer e não dizer", Manuel Alegre dixit.
Por alturas de 1960, a então "Tasca do Faria" vendia, em média, uma pipa de vinho por dia. O projecto desenvolvido por José Pinto converteu o espaço numa área de fusão multicultural, onde cabiam as propostas mais vanguardistas no campo das artes e onde as toscas e ratadas a tinto malgas de vinho foram substituídas por bebidas mais brancas.
Não se trata de concentrar uma existência num gesto, num local, numa imagem estereotipada. O Deslize é "aquele bar", não para sorver em doses industriais as triviais conversas televisivamente retratadas, mas para recensear novidades.
Porque os indivíduos têm sempre razão, no Deslize as massas erram, porque foi sempre um bar "de uma imensa minoria". Rapidamente passou a prática luxuriosa dos vícios mais requintados e os convivas saíam entre os gorjeios de pintassilgos, defenestrados nas casas mais pitorescas da urbe bracarense, quando rompia a manhã, anunciada pelos imponentes sinos da catedral. "Da Floresta Escura até à presença divina do amor que move o Sol e os outros astros", in Divina Comédia.
Florilégios de "jam sessions", teatro e até sessões de esclarecimento de partidos políticos, albergou o Deslize, quase que obrigado a tornar-se uma memória, ao fechar, entre a semiologia prodigiosa de regressões em que é pródiga a sociedade local.
Da música electrónica às nostalgias dos 80's, os ourives que burilam o som cedem a acoplagens sonoras de reconstrução cromática.
Tautologias circularam por Braga, quando o visado era o Deslize. "Com razão, em certa altura, mas sem fundamento, a partir de uma data. Sempre critiquei os empresários da noite que fazem a apologia da venda de álcool barato", destaca Sofia Cabral, rebatendo argumentos falaciosos que serviram de base ao encerramento do bar.
"Este é um bar que privilegia a cultura alternativa. Quando aparecemos, fomos incentivados, porque era importante a revitalização do centro histórico. Conseguimos resistir a uma fase difícil e manter uma clientela heterogénea", disse Sofia.
Deslize
Morada RUA D. PAIO MENDES. SÉ, BRAGA
Horário TODOS OS DIAS, DAS 22 ÀS 2 HORAS
Imperial 1,25EUR / Destiladas 3,00EUR
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