segunda-feira, 22 de dezembro de 2003

periférica #7

periférica#7
UMA ALDEIA PERIFÉRICA.
UMA REGIÃO PERIFÉRICA.
UM PAÍS PERIFÉRICO.
UMA REVISTA POUCO PREOCUPADA COM ISSO.
PERIFÉRICA

e um blog também
A OESTE NADA DE NOVO

sexta-feira, 19 de dezembro de 2003

Redução de horas ao Deslize só alargou vontade de estar

2003-12-19
[ Pedro Vila-Chã ]
in JN

Redução de horas ao Deslize
só alargou
vontade de estar

Parece um sacrilégio pensar num bar alternativo, paredes-meias com a Sé de Braga. Em 1985, quando abriu, o Deslize adivinhava a direcção que a sociedade local seguiria, na senda da tendência de desmultiplicação de bandas a que a Bracara Augusta assistiu. Para quem acaba de "cegar" com a imponência da iluminação da Sé, a ambientação ocular tem de ser acompanhada pela suave descoberta das formas que a gerente, Sofia Cabral, desenhou na parede. A pintura enquanto o falar visível. "O mistério cintila no mistério. Dizer e não dizer", Manuel Alegre dixit.

Por alturas de 1960, a então "Tasca do Faria" vendia, em média, uma pipa de vinho por dia. O projecto desenvolvido por José Pinto converteu o espaço numa área de fusão multicultural, onde cabiam as propostas mais vanguardistas no campo das artes e onde as toscas e ratadas a tinto malgas de vinho foram substituídas por bebidas mais brancas.

Não se trata de concentrar uma existência num gesto, num local, numa imagem estereotipada. O Deslize é "aquele bar", não para sorver em doses industriais as triviais conversas televisivamente retratadas, mas para recensear novidades.

Porque os indivíduos têm sempre razão, no Deslize as massas erram, porque foi sempre um bar "de uma imensa minoria". Rapidamente passou a prática luxuriosa dos vícios mais requintados e os convivas saíam entre os gorjeios de pintassilgos, defenestrados nas casas mais pitorescas da urbe bracarense, quando rompia a manhã, anunciada pelos imponentes sinos da catedral. "Da Floresta Escura até à presença divina do amor que move o Sol e os outros astros", in Divina Comédia.

Florilégios de "jam sessions", teatro e até sessões de esclarecimento de partidos políticos, albergou o Deslize, quase que obrigado a tornar-se uma memória, ao fechar, entre a semiologia prodigiosa de regressões em que é pródiga a sociedade local.

Da música electrónica às nostalgias dos 80's, os ourives que burilam o som cedem a acoplagens sonoras de reconstrução cromática.

Tautologias circularam por Braga, quando o visado era o Deslize. "Com razão, em certa altura, mas sem fundamento, a partir de uma data. Sempre critiquei os empresários da noite que fazem a apologia da venda de álcool barato", destaca Sofia Cabral, rebatendo argumentos falaciosos que serviram de base ao encerramento do bar.

"Este é um bar que privilegia a cultura alternativa. Quando aparecemos, fomos incentivados, porque era importante a revitalização do centro histórico. Conseguimos resistir a uma fase difícil e manter uma clientela heterogénea", disse Sofia.

Deslize
Morada RUA D. PAIO MENDES. SÉ, BRAGA
Horário TODOS OS DIAS, DAS 22 ÀS 2 HORAS
Imperial 1,25EUR / Destiladas 3,00EUR

terça-feira, 16 de dezembro de 2003

NA GARAGEM

2003-12-13
[ NUNO PASSOS ]
in Público

NA
GARAGEM

Minho tem meia centena de bares-concerto

"Praticamente não há bares para concertos nas margens do rio Minho." O desalento do teclista José Paulo Ribeira, dos Ironic Speech, de Caminha, junta-se à opinião que vinga na maioria dos novos projectos musicais, que dizem carecer dessa roldana que faz girar o circuito musical - as actuações dão dinheiro para comprar instrumentos e gravar maquetas, cativar espectadores, chamar os média e as editoras.

A consternação, porém, não é comum a todos. "Os bares existem, a gente é que não pode ficar à espera que eles venham ter connosco", reclama Sandra Monteiro, dos vimaranenses Nothem, que este ano já realizaram 42 concertos no país. O certo é que torna-se mais fácil encontrar cafés-concerto "do rio Lima para baixo", mas cada localidade tem "pelo menos um cantinho" para lançar os colectivos independentes, o que prefaz cerca de cinquenta palcos no Minho com um mínimo de condições.

O número é partilhado pelo promotor de eventos José Costa, que não se cansa de repetir que existe, contudo, em parte das casas uma espécie de filtro imposto aos intérpretes. O cenário deve-se a questões de mentalidade e da necessidade de trazer "alguém que renda" em termos de público, argumenta. "Em geral, os proprietários não estão dispostos a ceder o palco por gostos musicais ou, no caso do 'heavy metal', por medo de haver tumultos", acentua o também "manager" dos Fat Freddy ou O Projecto É Grave, lembrando que também os vereadores das câmaras têm "pouca sensibilidade" para sons modernos, esbanjando o orçamento cultural em actividades "que quase ninguém vê".

Os gerentes contactados do "Net Coop", em Ponte de Lima, e do "Café Teatro", em Viana do Castelo, preferem sublinhar a necessidade em "respeitar o espírito" da casa e "as expectativas" que os clientes habituais têm. Noutras vezes, os proprietários lançam a aposta, mas é a audiência que desilude, como sucedeu recentemente com os Mesa - no "VooDoo Lounge", na Amorosa.

"As bandas sujeitam-se a tocar em condições impossíveis e imaginárias pelo amor da música", continua José Costa. O "cachet" das actuações dos grupos emergentes oscilam entre o custo zero, com eventual jantar antes da subida ao palco, e uns excepcionais 250 euros. Regra geral, quatro em cada cinco bares não querem perder no negócio e usam o "sistema do cartão", em que cerca de 50 a 70 por cento das entradas vão para os bolsos da formação.

Pelo Minho, há ainda outros bares que merecem referência a nível de segunda linha: em Barcelos, os Histórico e Triangubar, em Vila Verde, o Horas Extras; em Amares, os Rithmos, Pinxos, Tertúlia e Autocarro Bar; em Lixa, o Moinho Café; em Ponte de Lima, os Net Coop e Ministru's; em Ponte da Barca, o Poetas Bar; em Guimarães, o Ultimatum; em Paredes de Coura, a Casa das Artes; em Viana do Castelo, os Azeiteiro, Coffe e Bar do IPJ; em Famalicão, os Pedra Viva e Wall Street; em Arcos de Valdevez, o Azenha Bar; em Monção, o Ninho do Pardal; em Vieira do Minho, o Bar da Ilha. Mas há muitos mais. Basta descobri-los.

PRINCIPAIS ESPAÇOS

CAFÉ-TEATRO
Viana do Castelo
935250101
www.cafeteatro.org

CASA DAS ARTES DE ARCOS DE VALDEVEZ
Arcos de Valdevez
258520280

DESLIZE
Braga
936497197

FÓRUM ARTE E MULTIMÉDIA
Oliveira S. Mateus, Famalicão
252981361
www.ascinfor.pt/forum.htm

INSÓLITO
Braga
968016240

KASTRU'S
Forjães, Esposende
253871339
www.kastrusbar.com

LIVE ROCK CAFE
Medelo, Fafe
919214329

QUINTA DO OLIVAL
Caldelas, Amares
937667770

VOODOO LOUNGE
Amorosa, Viana do Castelo
968083532

WHISKY BAR
Prado, Vila Verde
962885495

sexta-feira, 12 de dezembro de 2003

Santa Indifference

Kids these days don't smile when they visit Santa Claus, according to research performed a few days ago by Ig Nobel Prize winner John W. Trinkaus. Professor Trinkaus observed children at two large shopping malls and a major department store, noting each child's facial _expression as the children visited Santa Claus. Every child was accompanied by a parent or guardian.

What Professor Trinkaus saw surprised and saddened him. More than 95 percent of the children were visibly indifferent or hesitant as they approached Santa. Only one percent of them smiled or showed other signs of happiness. On the other hand, Professor Trinkaus noted, nearly all of the parents were visibly quite happy and excited.

For details of the Santa research, see improbable.com

terça-feira, 9 de dezembro de 2003

Design

>''Most people make the mistake of thinking design is what it looks like.''

>''People think it's this veneer
-- that the designers are handed this box and told,
'Make it look good!'

That's not what we think design is.
It's not just what it looks like and feels like.
Design is how it works.''

>Steve Jobs, Apple's C.E.O.

ML

Nostalgia isn't what it used to be.

ML

Etc. :
A sign to make others believe that you know more than you actually do.

ML

My Boss keeps fighting with me over a religious difference:

He thinks he's God
and I don't.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2003

estadio de braga

quatro fotos

Uma Arquitectura para o Futebol

2003-11-22
[ Jorge Figueira ]
in Publico

Uma Arquitectura
para
o Futebol

Nestes tempos confusos, de auto-estima rasteira, há um edifício que nos obriga a olhar para cima. O estádio de Braga - ainda sem nome definido -, uma obra, em construção, de Eduardo Souto Moura, faz-nos subir a adrenalina, recriando o conceito setecentista de "sublime": um medo-espanto motivado por "objectos" de grande dimensão dramaticamente suspensos na sua glória. Este efeito inebriante é resultado da articulação da escala "gigantesca" deste tipo de programa com um controlo formal que Souto Moura leva até às últimas consequências. O estádio de Braga alia extraordinariamente o apuro e a intransigência da sua arquitectura com a dimensão "espectacular" de uma grande obra de engenharia. É um "objecto" contido, apertado, controlado, mas simultaneamente exaltante, "maior que a vida". É-o ainda mais quanto remete para uma certa intemporalidade tipológica - o anfiteatro romano -, mas confronta-nos directamente com a erupção moderna da engenharia, do betão, das grandes consolas, da iluminação eléctrica.

A arquitectura de Souto Moura define-se no trabalho de redução dos elementos constituintes de cada obra, uma pesquisa paciente com referência em algumas das propostas mais radicais da arquitectura moderna do século XX. As inúmeras casas unifamiliares que realizou foram o laboratório maior dessa investigação. A realização de uma obra com as características de um estádio levantou, no entanto, a dúvida sobre a adequação desse método e os resultados que daí adviriam. Como trabalhar numa lógica formal intransigente, um programa aparentemente muito condicionado pela sua enorme complexidade infra-estrutural? Como impor uma tipologia diferente face à formatação normativa dos estádios, aparentemente movida por pressupostos técnicos e funcionais inexoráveis?

Souto Moura transforma eloquentemente estas equações em projecto. O estádio de Braga assenta numa definição tipológica muito clara, que começa com a escolha do local de implantação. No contexto do Parque Desportivo de Dume, na encosta Norte do Monte Castro, o edifício é projectado como uma operação paisagística, no seio de uma pedreira existente. Inicialmente apenas uma bancada é prevista, adoçada ao declive manipulado formalmente. Mais tarde, juntar-se-á uma segunda bancada, em correspondência com a primeira mas sem "apoio" natural, em dramática tensão. A ausência das habituais bancadas de topo - ideia central exequível por se tratar de um estádio para 30 mil espectadores - permite a abertura do estádio à paisagem envolvente, criando um forte efeito cenográfico. A necessidade de assegurar a ligação entre as duas bancadas e questões de segurança ditam a existência de uma passagem inferior, sob o campo "relvado", que se transformará numa vasta sala "hipostila" (compartimento com o tecto suportado por colunas, na terminologia grega).

Como é habitual na obra de Souto Moura, todas as operações do projecto - construção, estrutura, infra-estrutura, acabamentos - são realizadas no sentido da concretização exacta das opções tipológicas. O que aqui é desconcertante é assistirmos ao habitual processo de redução de elementos - duas bancadas, a cobertura num só gesto, o "open space" sob o campo - numa escala brutalmente ampliada. O edifício é resultado de uma redução ao "mínimo" de elementos que depois se manifestam numa dimensão exponenciada. Este efeito paradoxal transforma o carácter auto-referencial e "opaco", típico do objecto "minimalista", numa arquitectura que apela vibrantemente aos sentidos, e não somente à razão. Ou seja, é um edifício que nos toca e emociona.

Naturalmente, este sentido de economia de meios remete para obras de engenharia "pura" (pontes, barragens) mas também para a arquitectura moderna brasileira. Ao avistar o estádio, Paulo Mendes da Rocha exclamou: "Isto é o que é bonito na arquitectura: sem o Pavilhão de Portugal [de Álvaro Siza] não existiria esta obra." E assim é: a consola que cobre as duas bancadas e se transforma em linhas de cabos de aço, no espaço correspondente ao "relvado", é uma citação da "pala" do pavilhão, que remetia, aliás, para a simplicidade gestual da arquitectura moderna brasileira. Nesse sentido, ambas as obras partilham desse gosto menino de esboçar a construção do edifício num só gesto espacial.

Mas, como dizia, é a prossecução dos motivos centrais do projecto, em todas as dimensões do edifício, que verdadeiramente assinala o carácter extraordinário desta obra.

As bancadas superiores são planos inclinados, autonomizados à maneira do "neoplasticismo". O "relvado" é também uma plataforma autónoma, recortada por uma "falha" ao longo do seu perímetro, correspondendo à laje de cobertura da sala "hipostila". Esta sala é um enorme "open space" horizontal, pontuado por inúmeras "colunas", que acentua a verticalidade "piranesiana" dos acessos por escada às bancadas. A sua iluminação natural é garantida pela "falha" que delimita o campo, a céu aberto, e funcionará para acontecimentos de natureza variada.

A inclusão de elementos infra-estruturais no betão, desimpedindo a leitura do espaço, e a "rótula" que permite "resolver" o encontro construtivo entre os pilares e as lajes inclinadas das bancadas são exemplos que confirmam o controlo formal que Souto Moura mantém.

Na construção do estádio de Braga, a desmontagem da pedra foi "desenhada" em sucessivas maquetas. A presença manipulada da pedra no topo norte e nos interstícios da bancada poente - derivando directamente da experiência da Casa de Moledo - é um motivo geológico "natural" que serve para acentuar a artificialidade e depuração dos elementos arquitectónicos propriamente ditos.

Souto Moura pretende construir uma paisagem exacta num universo cada vez mais relativo e acidental. O estádio de Braga é um passo de gigante nesse sentido.

Em Barcelona, há uma obra de Gaudí que ficou conhecida como "La Pedrera" por remeter para esse imaginário. Sobre o estádio de Braga, disse ainda Mendes da Rocha, "é, neste momento, a obra em construção mais bonita do mundo".

Não Há Espaço, Só Elementos e Pedras

2003-11-22
[ Jorge Figueira e Ana Vaz Milheiro ]
in Publico

Não Há Espaço,
Só Elementos
e Pedras

Eduardo Souto Moura fala da sua passagem de obras de pequena escala para a grande dimensão e intervenção no projecto do estádio de Braga e no território na experiência do Metro do Porto. Afirma que ser arquitecto do "star-system" corresponde a uma grande intensidade de trabalho e exigência de qualidade. Não o incomoda a ideia de se contratarem arquitectos do "star-system" para projectos específicos porque "a cidade tem que ter monumentos" e não só arquitectura corrente. Evoca ainda os seus tempos de formação, no escritório de Álvaro Siza, e como a Casa das Artes, que lhe valeu o Prémio Secil de Arquitectura 1993, foi uma reacção crítica ao ambiente cultural da passagem dos anos 70 para os 80, criando uma gramática que se generalizou no seio da arquitectura portuguesa: "Criei uma espécie de manual, que ultrapassou a adesão afectiva e, na altura em que se cristalizou, abandonei-o."

Mil Folhas - Há um grande clima de aceitação da obra do estádio de Braga, nomeadamente, da parte dos responsáveis da UEFA, com a excepção de Miguel Sousa Tavares. Tendo em conta as características da sua arquitectura, ficou surpreendido com a aceitação quase unânime do estádio?

Eduardo Souto Moura - Eu próprio me interrogo por não haver críticas. As coisas boas têm sempre um lado bom e um lado mau e até aqui a população de Braga aderiu e a UEFA fê-lo com grande entusiasmo. Admiro-me de não haver nenhuma crítica e a do Sousa Tavares não é crítica porque ele nunca foi lá.

P.- O que representa a obra do estádio no contexto da sua arquitectura? Vê-a como uma continuidade natural?

R. - Vejo o estádio como uma continuidade no percurso das minhas preocupações. A intervenção da arquitectura na paisagem e na geografia sempre me interessou. Faço as obras com autonomia suficiente e não tenho sempre o álibi do sítio e da integração. Só que aqui há uma ampliação de escala, de tal maneira que essa leitura de continuidade pode ser mais difícil. É tão diferente, em relação às casas de um piso, que parece que é uma coisa completamente nova. Não é, as regras do jogo é que mudaram. O estádio é autónomo, mas tem muito a ver com o sítio.

P.- Pode-se fazer algum paralelo entre esta obra do estádio e o seu trabalho na coordenação do Metro do Porto?

R.- O estádio é uma experiência completamente diferente. O Metro, mais que um projecto, é um laboratório do que entendo que deve ser a arquitectura futura. Numa obra como esta, há uma coisa fundamental: a adesão do dono da obra. Não há nenhuma boa obra sem um bom cliente. Segundo, uma obra desta escala envolve problemas de engenharia que não devem estar separados da arquitectura. Cada vez mais, as sugestões sobre o material e os sistemas construtivos têm de estar ligados à linguagem. Quando há um desenho sobre um território tão vasto, tem de haver uma grande coerência de princípios. Temos o programa, o dono de obra e a engenharia, que tem de ser adaptada à linguagem que o arquitecto pretende.

Digo que é um laboratório, porque foi um espaço em que desenhámos - como aqueles concertos de piano a quatro mãos - peça a peça, engenharia e arquitectura, intensamente e em tempos curtos. De manhã desenhavam os engenheiros; à tarde desenhava eu a arquitectura; à noite fazia-se a maqueta; no dia seguinte, de manhã, reuníamos e decidíamos; à tarde, os desenhos iam para o empreiteiro; à noite, era betonado. O que se falava da conciliação das três artes existiu aqui, não como um processo intelectual, mas porque tinha de ser assim.

P.- O que é surpreendente, tanto no processo do Metro como no estádio, é que mantém sempre a mesma intensidade e cumplicidade que se sente em projectos de outra escala.

R. - Aprendi-o com Siza. Falo do Siza porque trabalhei em Évora [na Malagueira]. Évora nasce - não de um projecto - mas de uma intenção de projecto. Aquilo que me interessou no seu trabalho foi perceber como as coisas se fazem: durante 25 anos Siza foi projectando e as coisas foram acontecendo. Os territórios, a partir de uma determinada escala, não podem ser desenhados. Não se podem desenhar alçados e plantas de cidades. Podem-se prever situações que sabemos irão acontecer. Hoje, a arquitectura não é só desenhar a parte física, é antever as situações e ter uma estratégia. Resulta numa cidade "inteligente", feita por muitas mãos, onde o coordenador é o arquitecto, mas há vários intervenientes.

P.- Estes trabalhos, nomeadamente, o estádio de Braga, servem para se libertar de uma espécie de marca "Eduardo Souto Moura", que existe e que se banalizou?

R. - O primeiro a irritar-se com essa marca fui eu. Não havia projecto algum em que não pedissem pedra e vidro... Mas o problema aqui não é de linguagem, é a alteração de escala. Comecei o meu percurso com casas, primeiro para a família e depois para os amigos. Fiz um esforço para sair dessa escala. Trabalhei imenso no primeiro concurso do Metro do Porto e apercebi-me de que as cidades não mudam, nem por eleições, nem por decisões políticas. Mudam quando há uma necessidade urgente. Eu sabia que o Metro ia alterar as cidades. Preparei as situações para que as coisas acontecessem e os resultados têm sido, pelo menos no caso de Matosinhos, bem sucedidos.

P.- Como é que reagiu quando a sua arquitectura começou a aparecer na obra de jovens arquitectos, criando-se uma espécie de "lugar-comum" da casa com paredes de pedra, planos soltos e vidro?

R. - Senti um certo regozijo, porque era uma confirmação. Senti que o meu trabalho tinha servido para alguma coisa. Criei uma espécie de manual, que ultrapassou a adesão afectiva e, na altura em que se cristalizou, abandonei-o. Pensei "está fechado, portanto, já cumpri essa parte". Serviu-me para dizer: "Agora, tenho que fazer outro." Não por moda, mas só por convicção, porque se tinha esgotado.

P. - Nesse sentido, a "Casa das Artes" foi modelo para uma geração?

R. - Não sei se foi. Para mim, foi o primeiro projecto. A Casa das Artes é o máximo da anulação que a arquitectura pode ter, para não existir. Naquele momento, viviam-se os excessos do pós-modernismo. Achei que a arquitectura precisava de um radicalismo, de não existir, de anular-se. Ainda hoje, há muitas situações em que a arquitectura tem de se anular, ser anónima. Como ponto de partida, de rigor, de crítica a uma situação, foi muito saudável. Não pode é ser tomado como regra. Os arquitectos têm de propor coisas simples, senão não funcionam; mas quando a realidade reage, porque é muito complexa, têm que propor coisas complexas. Ser simples funcionou como uma linguagem com uma certa gramática, mas que só dava para casas-pátio, um piso e com muro. Para lotes estreitos e compridos, com uma casa de três pisos, prefiro encontrar outras linguagens.

P.- Ver a Casa das Artes como uma crítica ao pós-modernismo é uma leitura "a posteriori", ou tinha essa noção quando estava a projectar?

R. - Essas ideias nunca são conscientes, mas tinha uma certa noção que vinha do convívio com o Siza. Tinha, e tenho, uma admiração enorme pelo Siza, mas o seu percurso causava-me impressão. Via-o de manhã a desenhar o SAAL, com o máximo do rigor, e à tarde a desenhar a casa do irmão de Santo Tirso. A minha impressão é a de que o Siza funciona por impulsos, portanto, nele existe uma reflexão muito interiorizada... Tem uma emotividade enorme.

Como não tenho dotes artísticos, para encontrar uma coerência, o meu percurso tinha de ser conquistado através do estudo. Durante o curso, dava explicações de filosofia e lia tudo. Na época, trabalhava muito pouco em arquitectura. A escola estava fechada e os meus colegas estavam todos em escritórios, mas só fui trabalhar com o Siza no quarto ano.

A Casa das Artes foi uma reacção; eu não sabia o que era o minimalismo. Entretanto, no escritório discutia-se muito. Lembro-me de uma conferência sobre o Alvar Aalto que o Siza me pediu para fazer na Gulbenkian. Quando lhe disse, com um certo radicalismo juvenil, que achava que a saída não era o expressionismo, nem o organicismo, ficou escandalizado. Siza perguntou-me qual era o arquitecto que eu gostava. Respondi-lhe que era o Mies van der Rohe.

P.- No nosso país começa a haver um desconforto generalizado com a ideia de um "star-system" de arquitectos. Reconhece-se dentro desse "star-system"? Acha que também tem aspectos benéficos, porque corresponde a um reconhecimento da importância da arquitectura?

R. - Sei que não sou um desconhecido, mas também não sei se sou do "star-system", porque não fiz nada para isso. Mas acho que o "star-system" tem algumas vantagens, não acontece por acaso. Implica uma vida de dedicação ou, então, transforma-se - e penso que não é o caso dos arquitectos portugueses - numa hipocrisia, um vedetismo bacoco. Portanto, obriga a uma qualidade, a uma intensidade de trabalho.

P.- Chamar um arquitecto, como Frank Gehry para fazer o Parque Mayer, em Lisboa, por exemplo, incomoda-o?

R. - Não me incomoda, porque há um outro aspecto que não tem sido falado: a cidade tem de ter monumentos e residências, é uma hierarquia. Foi sempre assim, a história da arquitectura fez-se por "Bruneleschis" e por "Berninis" que desenharam os monumentos e a residência era feita por massa anónima. Só massa anónima também não é cidade, falta-lhe hierarquia. E o contrário é ridículo, porque resulta numa bienal, um "boulevard" cheio de vedetas. Portanto, não acho contranatura. O importante é que isso não se transforme numa regra.

Pode-se levantar outra questão, que não tem nada a ver com a arquitectura; tem a ver com o lado social da arquitectura. Devem fazer-se estádios? Aceitei o de Braga, mas como cidadão acho que há coisas mais importantes. Devem chamar-se os "Gehrys"? Prefiro que o Gehry faça o Parque Mayer do que este seja entregue a algum curioso. Mas como cidadão acho que Portugal tem outras necessidades mais emergentes. Uma coisa é a qualidade intrínseca da disciplina e a outra é a disciplina inserida no ambiente social, cultural e urbano.

P.- Quando recebeu o Prémio Pessoa afirmou que isso lhe criava condições para ter uma posição mais interveniente, em termos culturais. Mas isso não se verificou, a não ser que consideremos a sua arquitectura como uma forma de intervenção.

R. - Quando fiz essa declaração não me transformei num comentador, preferi fazer ao contrário. O prémio deu-me acesso à mudança de escala. E, portanto, não fiz um discurso oral ou escrito, fiz um discurso da própria disciplina. Usei o meu método no estádio e nas outras obras. Pontualmente, quando preciso de falar, falo.

P.- Acha que nos últimos 10 anos a situação da arquitectura em Portugal tem evoluído?

R. - A mim mudou-me muito. E acho que a arquitectura também. O arquitecto é, cada vez mais, uma figura da nossa sociedade. Não há jornal nenhum que se folheie que não tenha uma notícia sobre arquitectura. Isso deve-se ao Taveira, que, quer se goste, ou não, foi quem lançou o arquitecto como uma figura pública. Antes a arquitectura era uma disciplina desconhecida. Com as Amoreiras, houve essa inversão. Assim como com o Siza, no Chiado.

P. - O que é interessante verificar no seu percurso é uma articulação entre um certo pragmatismo, à "Escola do Porto", e referências ao mundo literário, artístico e filosófico. Como é que gere esse conflito?

R. - Se os meios mudam, a acção muda. A cultura do Távora ou a do Siza nunca pode ser a cultura do João Luís Carrilho da Graça, por exemplo. Lembro-me de discutir com o Siza, quando andava entusiasmadíssimo com o Herberto Helder, que, para os meus problemas, tinha mais a ver comigo. O Siza preferia o Cesário Verde e o Távora tinha o Fernando Pessoa e os seus heterónimos. Para resolverem os seus problemas, cada um vai buscar os seus meios. O Távora vem dos homens que o marcaram: Le Corbusier, Bruno Zevi e Lúcio Costa. O Siza também passou uma época de grande suporte teórico. O Alvar Aalto foi uma figura de sustentação, dava saída à "não-saída" do Movimento Moderno. Depois, a produção da arquitectura começou a esvaziar-se do ponto de vista do suporte teórico. Eu já não tinha essa fundamentação: o Venturi punha tudo em causa. Nessa época, a última coisa importante, e que era muito subjectiva, era a autobiografia científica do Rossi e a "Arquitectura" do Donald Judd. Portanto, enquanto os arquitectos faliam do ponto de vista da produção teórica, de como projectar, os escritores ensinavam como escrever, os pintores como pintar, os músicos como fazer música... Encostei-me um pouco aos outros porque eram mais claros.

Mas o pós-modernismo acabou de uma maneira encapotada. O neomodernismo é uma espécie de pós-modernismo, porque as pessoas aderem por gosto. O Portoghesi faz cornijas porque gosta de cornijas; o Foster faz panos de vidro virados a sul porque gosta de vidro. E a postura é a mesma, porque a cornija não é precisa para nada e o pano de vidro também não.

P. - Quando na Casa das Artes utiliza o espelho como dispositivo ficcional, não se trata também de uma colagem pós-moderna?

R. - Não quero filosofar ou teorizar a minha arquitectura, mas acho que isso faz parte da cultura contemporânea. Não se pode esquecer o existencialismo e o fim da metafísica. O Herberto Helder ou o Heiddegger explicam isso muito bem. O espaço não existe, só existe o tempo. Só existe o espaço nos próprios elementos físicos: o muro é o espaço - não há espaço entremuros. Há, depois, através das sensações. Quando fiz a Casa das Artes não podia usar o Vignola, nem o princípio da composição, e a chamada "proporção" também não tinha sentido. O que eu tinha eram muros, pilares e depois a intuição de que entre estes se tinha que passar alguma coisa. Portanto, manipulava-os como cenários, com espelhos, com cores... Não há espaço, só elementos e pedras.

P. - Ainda continua a escrever o seu "caderno das citações"?

R.- Continuo. É um hábito antigo. É sempre o mesmo, não há assim frases tão boas todos os dias.

P. - Fazer um diário de citações significa que não é possível reproduzir uma narrativa linear moderna...

R. - O que eu gosto do modernismo é precisamente o lado superficial porque, neste momento, a coerência, a postura modernista heróica, de mudar o mundo, acabou. Ficaram o vidro, o ferro, os painéis e o sistema. Não é pejorativo, pelo contrário, é o que a arquitectura deve utilizar.

Beijing 2008

estádio olimpico

terça-feira, 2 de dezembro de 2003

ML

Originality is the art of concealing your sources.