sexta-feira, 25 de julho de 2003

Transformar o Silêncio

Transformar o Silêncio
sex 25 jul / sex 07 set @ Museu da Imagem

Dez anos volvidos sobre a primeira visita que fez a Portugal, Philippe Van Os expõe no Museu da Imagem o seu mais recente trabalho, calcorreando os caminhos da fotografia sócio-documental.

Em "Transformar o Silêncio", o autor mostra-nos paisagens, pessoas, objectos e práticas sociais que contextualizam o quotidiano de certos lugares do norte de Portugal: Gerês, Alvão, Montezinho e Miranda do Douro são as localidades retratadas.

Destaco dois eixos de análise que podem ajudá-lo/a a reflectir sobre esta exposição: por um lado, saliento a exploração deliberada de anacronismos próprios da pós-modernidade, que reflectem alterações na relação espaço/tempo; por outro, chamo a atenção para a harmonia existente entre o universo recortado pelo autor e a concepção plástica das imagens que buscam um silêncio pictórico.

Debrucemo-nos sobre o primeiro eixo. Os meios de comunicação e transporte que se desenvolveram nos sécs. XIX e XX revolucionaram a relação que temos com o espaço e com o tempo. Presentes numa aldeia aborígene temos a sensação de recuar no tempo. Na Times Square, em Nova Iorque, o futuro parece existir há décadas. As nossas cidades têm os mesmos anacronismos: bebemos café no histórico café do centro histórico para depois irmos trabalhar no edifício inteligente do parque tecnológico.

Neste trabalho, as imagens indagam o passado - ainda que tenham sido realizadas no presente e reportem a lugares geograficamente próximos. Aborda-se o Portugal da modernidade tardia, um país que cresceu e se desenvolveu a velocidades desiguais, ora absorto pelo ruído das máquinas hodiernas, ora ensimesmado em práticas ancestrais que se eclipsam com o tempo.

Não aponto ao autor o facto de só nos revelar o país que passou ao lado do crescimento e da Europa. Trata-se de um tema que encerra em si uma opção artística, documental e emocional, não se trata de promover um país. Destaco, isso sim, o facto de Philippe Van Os se ter aproximado do mundo-paisagem das aldeias do Portugal que se diz profundo, mostrando ter vivido e compreendido os fios que tecem as vidas naqueles lugares. É, sem dúvida, o olhar do Outro, do Estrangeiro, sobre a nossa cultura, que nos surpreende, mostrando-se atento às gentes, suas vidas e tradições, e optando sempre por mergulhar primeiro no objecto do seu trabalho, para só depois o revelar.

O segundo eixo de análise diz respeito à harmonia existente entre o universo das aldeias e a concepção plástica das imagens do silêncio. A opção de opor o espaço das aldeias aos espaços modernos traduziu-se numa solução pictórica que se imbrica nas estéticas de vida retratadas. O autor vai, por isso, ao encontro do objecto a fotografar, mostrando-nos imagens graníticas, sóbrias e despojadas de efeitos ou técnicas elaboradas.

Mas que dizer do silêncio? As fotografias não têm som, mas podem remeter-nos para ele: a imagem de um apito gera um som dentro de nós. No contexto pictórico das fotografias de Van Os, a ausência de ruídos, o silêncio, é quase uma constante. Só pequenos ruídos espreitam as aldeias. A ausência iconográfica de formas modernas e a presença de imagens que remetem para a relação mais próxima do Homem com a natureza colocam o objecto deste trabalho nos antípodas do moderno ruído das urbes. O que se transforma, então, neste silêncio?

Estão convidados a descobrir...

Filipe Castro

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