quinta-feira, 27 de novembro de 2003

Salvaguarda da Fonte do Ídolo Concluída Até ao Final de Dezembro

2003-11-27 Quinta-feira
[ ABEL COENTRÃO ]
in Público

Salvaguarda da Fonte do Ídolo
Concluída
Até ao Final de Dezembro

As obras de construção do edifício de salvaguarda do Quintal do Ídolo - um santuário rupestre de origem romana situado junto à videoteca Municipal da rua do Raio, em Braga - deverão terminar em Dezembro deste ano. A empreitada, da responsabilidade da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), começou em Novembro do ano passado e deveria ter terminado este mês, mas a descoberta de elementos arqueológicos interessantes em escavações realizadas pela Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho na área de serviços, já no decurso dos trabalhos, obrigou a arquitecta responsável, Paula Silva, da delegação Norte da DGEMN, a introduzir algumas alterações no projecto, de modo a tornar visível o espaço em causa, que fica sob o patamar de onde os visitantes poderão observar a fonte, e a permitir o acesso dos investigadores ao local.

Os materiais em causa - uma conduta, alimentada por uma caixa de água parcialmente preservada e um muro irregular - terão um interesse maior para a comunidade científica do que para os leigos, mas considerou-se interessante mantê-los no local. Será no entanto preciso esperar até ao segundo trimestre de 2004 para visitar aquele que é um dos mais famosos e enigmáticos monumentos de Braga (ver caixas), já que, após a conclusão dos trabalhos de construção civil, a DGEMN tem ainda de abrir concurso para a musealização do edifício. Nesta fase dos trabalhos foram já despendidos quase 380 mil euros para defender da envolvente e do clima esta obra construída por um desconhecido cidadão romano, Célico Fronto, no Séc. I DC, a que acrescem 40 mil euros previstos no Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central para o próximo ano.

As obras de musealização do Quintal do Ídolo são a salvaguarda possível para um monumento que só muito tardiamente foi valorizado pelas autoridades públicas, Câmara de Braga - que agora até ficará responsável pela gestão do novo imóvel - e Instituto Português do Património Cultural (IPPC) à cabeça. Num artigo publicado no último número da revista da ASPA, a Mínia, Sande Lemos faz uma revisão muito critica do contexto arqueológico deste santuário, que viu toda a envolvente cercada por edifícios a partir dos anos 80, uma alteração que praticamente extinguiu os fios de água que alimentavam a fonte, já então encostada às traseiras de algumas casas da Avenida da Liberdade.

Em 1989, e dadas as descobertas que iam acontecendo, a Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho recomendou ao IPPC a realização de escavações "mais amplas e meticulosas" a sul, na zona dos Granjinhos, para onde se preparava a construção do centro comercial hoje existente. A recomendação não foi acatada. "De facto, sem aviso prévio e sem qualquer controlo arqueológico, em Setembro de 1989 toda a zona entre o acesso sudoeste ao hospital e a rua dos Granjinhos foi revolvida por máquinas", recorda Sande Lemos. O buraco manteve-se durante anos e escavações posteriores, já na década de 90, puseram a descoberto a destruição de elementos importantes para a reconstituição da envolvente à Fonte do Ídolo.

A UAUM chegou a pedir ao sucessor do IPPC, o Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico, e à autarquia, um inquérito às circunstâncias da destruição. Dois ofícios "que nunca tiveram resposta", lembra o investigador. "Em nosso entender foi um crime de lesa património, numa área legalmente protegida [fazia parte da zona arqueológica de Braga], e que nunca foi inquirido pela entidade de tutela, ou pelo Ministério Público, o que se lamenta. Aliás, os infractores foram beneficiados, pois que foi aprovada a construção pretendida, apesar do pedido de inquérito da UAUM", lembra o arqueólogo que

Data da descoberta desconhecida

Segundo Sande Lemos, a fonte do Ídolo é a par do santuário das Fragas de Panóias, em Vila Real, um dos mais conhecidos monumentos de epigrafia rupestre romana do Noroeste da Península ibérica. Não se sabe quando foi descoberta. Sabe-se, por exemplo, que não consta do famoso mapa de Braga desenhado por Braunio (Georg Braun), em 1594, onde até estão identificados outros pontos da antiga Bracara Augusta, e que a primeira alusão conhecida, que inclui um desenho, encontra-se na obra de Jerónimo Contador de Argote (1728). Nesta lê-se que "Detraz da Igreja de S. Marcos está um quintal, a que chamam o ídolo, nele está uma fonte funda, com tanque, e tem uma pedra, que parece ser rocha viva, a qual tem uma figura de roupas compridas,....". O investigador da Unidade de Arqueologia da UM levanta a hipótese de o monumento ter sido descoberto entre a segunda metade do século XVII e os primeiros anos do século XVIII, por via do rearranjo urbanístico da zona no período barroco, altura em que foram construídos à volta do núcleo medieval da cidade alguns palácios, entre eles o do Raio, a cinquenta metros do tanque. Este permanecerá alheio aos olhos dos topógrafos até que o romantismo do final do Século XIX o torna alvo da curiosidade de figuras como Martins Sarmento e Leite de Vasconcelos. Este último, nota o investigador da UM, acabaria por propor no segundo volume das "Religiões da Lusitânia", de 1905 "uma leitura coerente" do santuário, que a 6 de Junho de 1910 acabaria por ser classificado como Monumento Nacional

Arqueólogo acredita que a fonte terá sido um santuário privado

No artigo publicado no número dez da revista Mínia, apresentada esta semana, o arqueólogo Sande Lemos, levanta uma nova hipótese para o enquadramento do quintal do ídolo no contexto da cidade romana. Depois do francês Alain Tranoy (1981) ter sugerido que o monumento teria sido um santuário relacionado com a proximidade da necrópole da via Bracara - Aquae Flaviae - Asturica, e do galego António Rodriguez Colmenero (1993) o ter relacionado com cultos pré-romanos, o investigador da Unidade de Arqueologia da UM entende que ele possa ter sido afinal um santuário privado, erguido na propriedade de Celico Fronto. "Os dados de que dispomos sugerem que a fonte do Ídolo estava integrada no jardim de uma domus. Este tipo de pequenos santuários era frequente nas urbes do Império Romano", argumenta. Na perspectiva de Sande Lemos, se a fonte tivesse sido um santuário colectivo com eventuais raízes pré-romanas os arqueólogos da UM teriam encontrado elementos escavados nos afloramentos graníticos, "tal como se observam em vários monumentos do género", nota, o que não aconteceu mesmo quando foram efectuadas escavações de acompanhamento das obras em edifícios contíguos. Neste artigo, o investigador não põe de parte a eventual ligação à fonte de um lintel, hoje no Museu D. Diogo de Sousa, onde se pode ler uma inscrição mandada fazer pelos bisnetos de Celico Fronto e que refere uma qualquer reconstrução. Obras no tanque, o tal santuário privado? Na domus onde este estaria integrado. Hoje é muito difícil saber, mas Sande Lemos não deixa de sugerir que se pondere a inserção do lintel no espaço musealizado da fonte do Ídolo.

Sem comentários:

Enviar um comentário