domingo, 14 de setembro de 2003

A Sé de Braga

2003-09-14
[ EDUARDO PIRES DE OLIVEIRA]
público

A

de Braga

Pouco sabemos sobre os templos romano e pré-românico que existiram no local onde o bispo D. Pedro (1070-1091) veio a levantar os primeiros alicerces e paredes da actual igreja. Da mesma forma, também não discutiremos a sua primitiva planta, se teria três ou cinco naves. Retenhamos apenas que a estrutura é ainda profundamente românica e que, apesar das mil e umas alterações que sofreu ao longo dos séculos, é essa aparência medieval que o torna conhecido.

Claro que há partes em que se sentem outros gostos, outras vontades. Nomeadamente a de D. Diogo de Sousa (1505-1532), sem dúvida alguma a mais importante personalidade em toda a história bimilenar desta cidade arquiepiscopal. Com este arcebispo, Braga transformou-se; não foi sem razão que afirmou numa das cartas que escreveu ao rei D. João III, de quem era confessor, que tinha alterado radicalmente a cidade, que os singelos edifícios de barro tinham sido trocados por outros bem robustos, de pedra. Ou seja, Braga perdera a aparência de uma espécie de acampamento organizado e passava a ter uma estrutura urbana moderna.

Se olharmos a lista de obras que fez na Sé, veremos que a transformou definitivamente. E, como obra maior, ainda persiste a capela-mor, em que se fez o primeiro tecto curvo (de combados) que houve em Portugal e um imenso retábulo composto por um grande número de imagens de pedra de Ançã, hoje infelizmente perdido.

E se é verdade que ficamos presos à beleza daquele tecto, também não é menos verdade que esta foi a primeira obra lavrada em território português pelo grande Diogo de Castilho, o insigne mestre de pedraria biscainho que viria a ser nomeado arquitecto régio e que tanta influência teria na arquitectura portuguesa, na matriz de Vila do Conde, nos Jerónimos, em Tomar e em muitos outros locais, Marrocos incluído.

A magnífica sacristia mandada fazer por D. João de Sousa (1696-1703) e concebida por outro arquitecto régio, João Antunes, trouxe uma nova lufada de ar fresco na arquitectura bracarense; mas a cidade não a soube entender, presa que estava aos valores de um tardo maneirismo que se estendeu quase até aos finais do primeiro terço de Setecentos. A proposta era demasiado aberta, excessivamente ousada para uma cidade que estava a aceitar bem o barroco, mas apenas no domínio da talha e das artes ditas menores.

Aliás, o arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles (1704-1728), um dos que mais fortemente interveio na Sé, manteve como seu mestre favorito um engenheiro militar, Manuel Pinto Vilalobos. No seu período, a catedral encheu-se de retábulos, grades, lampadários e outras peças mais; e as paredes receberam amplos rodapés de azulejos. E porque o cerimonial era uma parte importante, mandou imprimir um novo Breviário, para melhor organizar a actividade religiosa da catedral e dos templos da arquidiocese.

Embora as naves tenham ganho uma fortíssima ambiência barroca, foi só com a construção do novo cadeiral (1737) e dos esplendorosos órgãos - cujas caixas foram requintadamente esculpidas por Marceliano de Araújo - que a Sé ganhou um fulgor que inebriou toda a cidade.

Durante umas boas quatro décadas, a Sé manteve este seu aspecto festivo. Mas a partir de 1779 tudo se transformaria. O cónego Manuel Vale propôs e o arcebispo aceitou que o interior fosse totalmente remodelado, profundamente simplificado com novos retábulos neoclássicos, quiçá desenhados por Carlos Amarante, o protegido de D. Gaspar de Bragança.

Estava dado o novo mote: retiraram-se os rodapés de azulejos que cobriam as paredes laterais, os retábulos que estavam no meio do templo encostados às grandes pilastras, trocaram-se os que estavam na cabeceira e ao longo das paredes por outros bem mais simples e por um novo apostolado - por sinal magnífico - que viera de Lisboa, as confrarias, como a de Nª Sª do Rosário, encomendaram esculturas e pinturas em Roma... Quem tivesse passado meia dúzia de anos fora de Braga e voltasse a entrar na catedral, pensaria que tinha acontecido um terramoto!

Curiosamente, apesar de todas estas alterações recebidas nos tempos do barroco e do neoclássico, houve sempre um grande respeito pelo magnífico retábulo-mor renascentista de D. Diogo de Sousa. Mas, em 1877, sem qualquer razão perceptível, foi decidido trocar esta obra-prima por um outro feito de meia dúzia de tábuas lisas e uns tantos panos ricos. A catedral perdia assim, definitivamente, uma das suas obras maiores, pois nem sequer houve o cuidado de guardar a bom recato na "casa do tesouro" - que já então era uma espécie de museu - o conjunto de esculturas que o compunham!

Foi para tentar dar uma certa "arrumação" a todas as obras anteriores e consolidar as paredes que estavam com graves problemas, que os Monumentos Nacionais aqui gastaram, a partir de 1929 e durante mais de três décadas, uns largos milhares de contos. Pena foi que tivessem avançado com ideias preconcebidas - voltar a dar à Sé um ambiente românico - e que prestassem pouca atenção aos vestígios que iam surgindo conforme se iam demolindo ou descascando as paredes.

Hoje e apesar daquela obra, a Sé Catedral de Braga continua a mostrar a sua inegável grandeza, as razões porque é a sede de uma arquidiocese "Primaz das Hespanhas".

Convite aos leitores

O destino do Passeio Público é, no próximo sábado, a Sé de Braga, e um mundo de desígnios e pequenos pormenores a descobrir nas palavras de Eduardo Pires Oliveira e em cada canto na sede da mais velha diocese portuguesa. As capelas dos Reis, de S. Geraldo e da Glória, o Tesouro, sobretudo o Coro alto, as camadas de que se compõe a intervenção humana no espaço com o devido enquadramento histórico são partes da ementa de um manjar riquíssimo de conhecimento, desde logo das raízes do nosso país. O encontro fica marcado para as 10h00, na porta principal da Sé.

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