segunda-feira, 22 de dezembro de 2003

periférica #7

periférica#7
UMA ALDEIA PERIFÉRICA.
UMA REGIÃO PERIFÉRICA.
UM PAÍS PERIFÉRICO.
UMA REVISTA POUCO PREOCUPADA COM ISSO.
PERIFÉRICA

e um blog também
A OESTE NADA DE NOVO

sexta-feira, 19 de dezembro de 2003

Redução de horas ao Deslize só alargou vontade de estar

2003-12-19
[ Pedro Vila-Chã ]
in JN

Redução de horas ao Deslize
só alargou
vontade de estar

Parece um sacrilégio pensar num bar alternativo, paredes-meias com a Sé de Braga. Em 1985, quando abriu, o Deslize adivinhava a direcção que a sociedade local seguiria, na senda da tendência de desmultiplicação de bandas a que a Bracara Augusta assistiu. Para quem acaba de "cegar" com a imponência da iluminação da Sé, a ambientação ocular tem de ser acompanhada pela suave descoberta das formas que a gerente, Sofia Cabral, desenhou na parede. A pintura enquanto o falar visível. "O mistério cintila no mistério. Dizer e não dizer", Manuel Alegre dixit.

Por alturas de 1960, a então "Tasca do Faria" vendia, em média, uma pipa de vinho por dia. O projecto desenvolvido por José Pinto converteu o espaço numa área de fusão multicultural, onde cabiam as propostas mais vanguardistas no campo das artes e onde as toscas e ratadas a tinto malgas de vinho foram substituídas por bebidas mais brancas.

Não se trata de concentrar uma existência num gesto, num local, numa imagem estereotipada. O Deslize é "aquele bar", não para sorver em doses industriais as triviais conversas televisivamente retratadas, mas para recensear novidades.

Porque os indivíduos têm sempre razão, no Deslize as massas erram, porque foi sempre um bar "de uma imensa minoria". Rapidamente passou a prática luxuriosa dos vícios mais requintados e os convivas saíam entre os gorjeios de pintassilgos, defenestrados nas casas mais pitorescas da urbe bracarense, quando rompia a manhã, anunciada pelos imponentes sinos da catedral. "Da Floresta Escura até à presença divina do amor que move o Sol e os outros astros", in Divina Comédia.

Florilégios de "jam sessions", teatro e até sessões de esclarecimento de partidos políticos, albergou o Deslize, quase que obrigado a tornar-se uma memória, ao fechar, entre a semiologia prodigiosa de regressões em que é pródiga a sociedade local.

Da música electrónica às nostalgias dos 80's, os ourives que burilam o som cedem a acoplagens sonoras de reconstrução cromática.

Tautologias circularam por Braga, quando o visado era o Deslize. "Com razão, em certa altura, mas sem fundamento, a partir de uma data. Sempre critiquei os empresários da noite que fazem a apologia da venda de álcool barato", destaca Sofia Cabral, rebatendo argumentos falaciosos que serviram de base ao encerramento do bar.

"Este é um bar que privilegia a cultura alternativa. Quando aparecemos, fomos incentivados, porque era importante a revitalização do centro histórico. Conseguimos resistir a uma fase difícil e manter uma clientela heterogénea", disse Sofia.

Deslize
Morada RUA D. PAIO MENDES. SÉ, BRAGA
Horário TODOS OS DIAS, DAS 22 ÀS 2 HORAS
Imperial 1,25EUR / Destiladas 3,00EUR

terça-feira, 16 de dezembro de 2003

NA GARAGEM

2003-12-13
[ NUNO PASSOS ]
in Público

NA
GARAGEM

Minho tem meia centena de bares-concerto

"Praticamente não há bares para concertos nas margens do rio Minho." O desalento do teclista José Paulo Ribeira, dos Ironic Speech, de Caminha, junta-se à opinião que vinga na maioria dos novos projectos musicais, que dizem carecer dessa roldana que faz girar o circuito musical - as actuações dão dinheiro para comprar instrumentos e gravar maquetas, cativar espectadores, chamar os média e as editoras.

A consternação, porém, não é comum a todos. "Os bares existem, a gente é que não pode ficar à espera que eles venham ter connosco", reclama Sandra Monteiro, dos vimaranenses Nothem, que este ano já realizaram 42 concertos no país. O certo é que torna-se mais fácil encontrar cafés-concerto "do rio Lima para baixo", mas cada localidade tem "pelo menos um cantinho" para lançar os colectivos independentes, o que prefaz cerca de cinquenta palcos no Minho com um mínimo de condições.

O número é partilhado pelo promotor de eventos José Costa, que não se cansa de repetir que existe, contudo, em parte das casas uma espécie de filtro imposto aos intérpretes. O cenário deve-se a questões de mentalidade e da necessidade de trazer "alguém que renda" em termos de público, argumenta. "Em geral, os proprietários não estão dispostos a ceder o palco por gostos musicais ou, no caso do 'heavy metal', por medo de haver tumultos", acentua o também "manager" dos Fat Freddy ou O Projecto É Grave, lembrando que também os vereadores das câmaras têm "pouca sensibilidade" para sons modernos, esbanjando o orçamento cultural em actividades "que quase ninguém vê".

Os gerentes contactados do "Net Coop", em Ponte de Lima, e do "Café Teatro", em Viana do Castelo, preferem sublinhar a necessidade em "respeitar o espírito" da casa e "as expectativas" que os clientes habituais têm. Noutras vezes, os proprietários lançam a aposta, mas é a audiência que desilude, como sucedeu recentemente com os Mesa - no "VooDoo Lounge", na Amorosa.

"As bandas sujeitam-se a tocar em condições impossíveis e imaginárias pelo amor da música", continua José Costa. O "cachet" das actuações dos grupos emergentes oscilam entre o custo zero, com eventual jantar antes da subida ao palco, e uns excepcionais 250 euros. Regra geral, quatro em cada cinco bares não querem perder no negócio e usam o "sistema do cartão", em que cerca de 50 a 70 por cento das entradas vão para os bolsos da formação.

Pelo Minho, há ainda outros bares que merecem referência a nível de segunda linha: em Barcelos, os Histórico e Triangubar, em Vila Verde, o Horas Extras; em Amares, os Rithmos, Pinxos, Tertúlia e Autocarro Bar; em Lixa, o Moinho Café; em Ponte de Lima, os Net Coop e Ministru's; em Ponte da Barca, o Poetas Bar; em Guimarães, o Ultimatum; em Paredes de Coura, a Casa das Artes; em Viana do Castelo, os Azeiteiro, Coffe e Bar do IPJ; em Famalicão, os Pedra Viva e Wall Street; em Arcos de Valdevez, o Azenha Bar; em Monção, o Ninho do Pardal; em Vieira do Minho, o Bar da Ilha. Mas há muitos mais. Basta descobri-los.

PRINCIPAIS ESPAÇOS

CAFÉ-TEATRO
Viana do Castelo
935250101
www.cafeteatro.org

CASA DAS ARTES DE ARCOS DE VALDEVEZ
Arcos de Valdevez
258520280

DESLIZE
Braga
936497197

FÓRUM ARTE E MULTIMÉDIA
Oliveira S. Mateus, Famalicão
252981361
www.ascinfor.pt/forum.htm

INSÓLITO
Braga
968016240

KASTRU'S
Forjães, Esposende
253871339
www.kastrusbar.com

LIVE ROCK CAFE
Medelo, Fafe
919214329

QUINTA DO OLIVAL
Caldelas, Amares
937667770

VOODOO LOUNGE
Amorosa, Viana do Castelo
968083532

WHISKY BAR
Prado, Vila Verde
962885495

sexta-feira, 12 de dezembro de 2003

Santa Indifference

Kids these days don't smile when they visit Santa Claus, according to research performed a few days ago by Ig Nobel Prize winner John W. Trinkaus. Professor Trinkaus observed children at two large shopping malls and a major department store, noting each child's facial _expression as the children visited Santa Claus. Every child was accompanied by a parent or guardian.

What Professor Trinkaus saw surprised and saddened him. More than 95 percent of the children were visibly indifferent or hesitant as they approached Santa. Only one percent of them smiled or showed other signs of happiness. On the other hand, Professor Trinkaus noted, nearly all of the parents were visibly quite happy and excited.

For details of the Santa research, see improbable.com

terça-feira, 9 de dezembro de 2003

Design

>''Most people make the mistake of thinking design is what it looks like.''

>''People think it's this veneer
-- that the designers are handed this box and told,
'Make it look good!'

That's not what we think design is.
It's not just what it looks like and feels like.
Design is how it works.''

>Steve Jobs, Apple's C.E.O.

ML

Nostalgia isn't what it used to be.

ML

Etc. :
A sign to make others believe that you know more than you actually do.

ML

My Boss keeps fighting with me over a religious difference:

He thinks he's God
and I don't.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2003

estadio de braga

quatro fotos

Uma Arquitectura para o Futebol

2003-11-22
[ Jorge Figueira ]
in Publico

Uma Arquitectura
para
o Futebol

Nestes tempos confusos, de auto-estima rasteira, há um edifício que nos obriga a olhar para cima. O estádio de Braga - ainda sem nome definido -, uma obra, em construção, de Eduardo Souto Moura, faz-nos subir a adrenalina, recriando o conceito setecentista de "sublime": um medo-espanto motivado por "objectos" de grande dimensão dramaticamente suspensos na sua glória. Este efeito inebriante é resultado da articulação da escala "gigantesca" deste tipo de programa com um controlo formal que Souto Moura leva até às últimas consequências. O estádio de Braga alia extraordinariamente o apuro e a intransigência da sua arquitectura com a dimensão "espectacular" de uma grande obra de engenharia. É um "objecto" contido, apertado, controlado, mas simultaneamente exaltante, "maior que a vida". É-o ainda mais quanto remete para uma certa intemporalidade tipológica - o anfiteatro romano -, mas confronta-nos directamente com a erupção moderna da engenharia, do betão, das grandes consolas, da iluminação eléctrica.

A arquitectura de Souto Moura define-se no trabalho de redução dos elementos constituintes de cada obra, uma pesquisa paciente com referência em algumas das propostas mais radicais da arquitectura moderna do século XX. As inúmeras casas unifamiliares que realizou foram o laboratório maior dessa investigação. A realização de uma obra com as características de um estádio levantou, no entanto, a dúvida sobre a adequação desse método e os resultados que daí adviriam. Como trabalhar numa lógica formal intransigente, um programa aparentemente muito condicionado pela sua enorme complexidade infra-estrutural? Como impor uma tipologia diferente face à formatação normativa dos estádios, aparentemente movida por pressupostos técnicos e funcionais inexoráveis?

Souto Moura transforma eloquentemente estas equações em projecto. O estádio de Braga assenta numa definição tipológica muito clara, que começa com a escolha do local de implantação. No contexto do Parque Desportivo de Dume, na encosta Norte do Monte Castro, o edifício é projectado como uma operação paisagística, no seio de uma pedreira existente. Inicialmente apenas uma bancada é prevista, adoçada ao declive manipulado formalmente. Mais tarde, juntar-se-á uma segunda bancada, em correspondência com a primeira mas sem "apoio" natural, em dramática tensão. A ausência das habituais bancadas de topo - ideia central exequível por se tratar de um estádio para 30 mil espectadores - permite a abertura do estádio à paisagem envolvente, criando um forte efeito cenográfico. A necessidade de assegurar a ligação entre as duas bancadas e questões de segurança ditam a existência de uma passagem inferior, sob o campo "relvado", que se transformará numa vasta sala "hipostila" (compartimento com o tecto suportado por colunas, na terminologia grega).

Como é habitual na obra de Souto Moura, todas as operações do projecto - construção, estrutura, infra-estrutura, acabamentos - são realizadas no sentido da concretização exacta das opções tipológicas. O que aqui é desconcertante é assistirmos ao habitual processo de redução de elementos - duas bancadas, a cobertura num só gesto, o "open space" sob o campo - numa escala brutalmente ampliada. O edifício é resultado de uma redução ao "mínimo" de elementos que depois se manifestam numa dimensão exponenciada. Este efeito paradoxal transforma o carácter auto-referencial e "opaco", típico do objecto "minimalista", numa arquitectura que apela vibrantemente aos sentidos, e não somente à razão. Ou seja, é um edifício que nos toca e emociona.

Naturalmente, este sentido de economia de meios remete para obras de engenharia "pura" (pontes, barragens) mas também para a arquitectura moderna brasileira. Ao avistar o estádio, Paulo Mendes da Rocha exclamou: "Isto é o que é bonito na arquitectura: sem o Pavilhão de Portugal [de Álvaro Siza] não existiria esta obra." E assim é: a consola que cobre as duas bancadas e se transforma em linhas de cabos de aço, no espaço correspondente ao "relvado", é uma citação da "pala" do pavilhão, que remetia, aliás, para a simplicidade gestual da arquitectura moderna brasileira. Nesse sentido, ambas as obras partilham desse gosto menino de esboçar a construção do edifício num só gesto espacial.

Mas, como dizia, é a prossecução dos motivos centrais do projecto, em todas as dimensões do edifício, que verdadeiramente assinala o carácter extraordinário desta obra.

As bancadas superiores são planos inclinados, autonomizados à maneira do "neoplasticismo". O "relvado" é também uma plataforma autónoma, recortada por uma "falha" ao longo do seu perímetro, correspondendo à laje de cobertura da sala "hipostila". Esta sala é um enorme "open space" horizontal, pontuado por inúmeras "colunas", que acentua a verticalidade "piranesiana" dos acessos por escada às bancadas. A sua iluminação natural é garantida pela "falha" que delimita o campo, a céu aberto, e funcionará para acontecimentos de natureza variada.

A inclusão de elementos infra-estruturais no betão, desimpedindo a leitura do espaço, e a "rótula" que permite "resolver" o encontro construtivo entre os pilares e as lajes inclinadas das bancadas são exemplos que confirmam o controlo formal que Souto Moura mantém.

Na construção do estádio de Braga, a desmontagem da pedra foi "desenhada" em sucessivas maquetas. A presença manipulada da pedra no topo norte e nos interstícios da bancada poente - derivando directamente da experiência da Casa de Moledo - é um motivo geológico "natural" que serve para acentuar a artificialidade e depuração dos elementos arquitectónicos propriamente ditos.

Souto Moura pretende construir uma paisagem exacta num universo cada vez mais relativo e acidental. O estádio de Braga é um passo de gigante nesse sentido.

Em Barcelona, há uma obra de Gaudí que ficou conhecida como "La Pedrera" por remeter para esse imaginário. Sobre o estádio de Braga, disse ainda Mendes da Rocha, "é, neste momento, a obra em construção mais bonita do mundo".

Não Há Espaço, Só Elementos e Pedras

2003-11-22
[ Jorge Figueira e Ana Vaz Milheiro ]
in Publico

Não Há Espaço,
Só Elementos
e Pedras

Eduardo Souto Moura fala da sua passagem de obras de pequena escala para a grande dimensão e intervenção no projecto do estádio de Braga e no território na experiência do Metro do Porto. Afirma que ser arquitecto do "star-system" corresponde a uma grande intensidade de trabalho e exigência de qualidade. Não o incomoda a ideia de se contratarem arquitectos do "star-system" para projectos específicos porque "a cidade tem que ter monumentos" e não só arquitectura corrente. Evoca ainda os seus tempos de formação, no escritório de Álvaro Siza, e como a Casa das Artes, que lhe valeu o Prémio Secil de Arquitectura 1993, foi uma reacção crítica ao ambiente cultural da passagem dos anos 70 para os 80, criando uma gramática que se generalizou no seio da arquitectura portuguesa: "Criei uma espécie de manual, que ultrapassou a adesão afectiva e, na altura em que se cristalizou, abandonei-o."

Mil Folhas - Há um grande clima de aceitação da obra do estádio de Braga, nomeadamente, da parte dos responsáveis da UEFA, com a excepção de Miguel Sousa Tavares. Tendo em conta as características da sua arquitectura, ficou surpreendido com a aceitação quase unânime do estádio?

Eduardo Souto Moura - Eu próprio me interrogo por não haver críticas. As coisas boas têm sempre um lado bom e um lado mau e até aqui a população de Braga aderiu e a UEFA fê-lo com grande entusiasmo. Admiro-me de não haver nenhuma crítica e a do Sousa Tavares não é crítica porque ele nunca foi lá.

P.- O que representa a obra do estádio no contexto da sua arquitectura? Vê-a como uma continuidade natural?

R. - Vejo o estádio como uma continuidade no percurso das minhas preocupações. A intervenção da arquitectura na paisagem e na geografia sempre me interessou. Faço as obras com autonomia suficiente e não tenho sempre o álibi do sítio e da integração. Só que aqui há uma ampliação de escala, de tal maneira que essa leitura de continuidade pode ser mais difícil. É tão diferente, em relação às casas de um piso, que parece que é uma coisa completamente nova. Não é, as regras do jogo é que mudaram. O estádio é autónomo, mas tem muito a ver com o sítio.

P.- Pode-se fazer algum paralelo entre esta obra do estádio e o seu trabalho na coordenação do Metro do Porto?

R.- O estádio é uma experiência completamente diferente. O Metro, mais que um projecto, é um laboratório do que entendo que deve ser a arquitectura futura. Numa obra como esta, há uma coisa fundamental: a adesão do dono da obra. Não há nenhuma boa obra sem um bom cliente. Segundo, uma obra desta escala envolve problemas de engenharia que não devem estar separados da arquitectura. Cada vez mais, as sugestões sobre o material e os sistemas construtivos têm de estar ligados à linguagem. Quando há um desenho sobre um território tão vasto, tem de haver uma grande coerência de princípios. Temos o programa, o dono de obra e a engenharia, que tem de ser adaptada à linguagem que o arquitecto pretende.

Digo que é um laboratório, porque foi um espaço em que desenhámos - como aqueles concertos de piano a quatro mãos - peça a peça, engenharia e arquitectura, intensamente e em tempos curtos. De manhã desenhavam os engenheiros; à tarde desenhava eu a arquitectura; à noite fazia-se a maqueta; no dia seguinte, de manhã, reuníamos e decidíamos; à tarde, os desenhos iam para o empreiteiro; à noite, era betonado. O que se falava da conciliação das três artes existiu aqui, não como um processo intelectual, mas porque tinha de ser assim.

P.- O que é surpreendente, tanto no processo do Metro como no estádio, é que mantém sempre a mesma intensidade e cumplicidade que se sente em projectos de outra escala.

R. - Aprendi-o com Siza. Falo do Siza porque trabalhei em Évora [na Malagueira]. Évora nasce - não de um projecto - mas de uma intenção de projecto. Aquilo que me interessou no seu trabalho foi perceber como as coisas se fazem: durante 25 anos Siza foi projectando e as coisas foram acontecendo. Os territórios, a partir de uma determinada escala, não podem ser desenhados. Não se podem desenhar alçados e plantas de cidades. Podem-se prever situações que sabemos irão acontecer. Hoje, a arquitectura não é só desenhar a parte física, é antever as situações e ter uma estratégia. Resulta numa cidade "inteligente", feita por muitas mãos, onde o coordenador é o arquitecto, mas há vários intervenientes.

P.- Estes trabalhos, nomeadamente, o estádio de Braga, servem para se libertar de uma espécie de marca "Eduardo Souto Moura", que existe e que se banalizou?

R. - O primeiro a irritar-se com essa marca fui eu. Não havia projecto algum em que não pedissem pedra e vidro... Mas o problema aqui não é de linguagem, é a alteração de escala. Comecei o meu percurso com casas, primeiro para a família e depois para os amigos. Fiz um esforço para sair dessa escala. Trabalhei imenso no primeiro concurso do Metro do Porto e apercebi-me de que as cidades não mudam, nem por eleições, nem por decisões políticas. Mudam quando há uma necessidade urgente. Eu sabia que o Metro ia alterar as cidades. Preparei as situações para que as coisas acontecessem e os resultados têm sido, pelo menos no caso de Matosinhos, bem sucedidos.

P.- Como é que reagiu quando a sua arquitectura começou a aparecer na obra de jovens arquitectos, criando-se uma espécie de "lugar-comum" da casa com paredes de pedra, planos soltos e vidro?

R. - Senti um certo regozijo, porque era uma confirmação. Senti que o meu trabalho tinha servido para alguma coisa. Criei uma espécie de manual, que ultrapassou a adesão afectiva e, na altura em que se cristalizou, abandonei-o. Pensei "está fechado, portanto, já cumpri essa parte". Serviu-me para dizer: "Agora, tenho que fazer outro." Não por moda, mas só por convicção, porque se tinha esgotado.

P. - Nesse sentido, a "Casa das Artes" foi modelo para uma geração?

R. - Não sei se foi. Para mim, foi o primeiro projecto. A Casa das Artes é o máximo da anulação que a arquitectura pode ter, para não existir. Naquele momento, viviam-se os excessos do pós-modernismo. Achei que a arquitectura precisava de um radicalismo, de não existir, de anular-se. Ainda hoje, há muitas situações em que a arquitectura tem de se anular, ser anónima. Como ponto de partida, de rigor, de crítica a uma situação, foi muito saudável. Não pode é ser tomado como regra. Os arquitectos têm de propor coisas simples, senão não funcionam; mas quando a realidade reage, porque é muito complexa, têm que propor coisas complexas. Ser simples funcionou como uma linguagem com uma certa gramática, mas que só dava para casas-pátio, um piso e com muro. Para lotes estreitos e compridos, com uma casa de três pisos, prefiro encontrar outras linguagens.

P.- Ver a Casa das Artes como uma crítica ao pós-modernismo é uma leitura "a posteriori", ou tinha essa noção quando estava a projectar?

R. - Essas ideias nunca são conscientes, mas tinha uma certa noção que vinha do convívio com o Siza. Tinha, e tenho, uma admiração enorme pelo Siza, mas o seu percurso causava-me impressão. Via-o de manhã a desenhar o SAAL, com o máximo do rigor, e à tarde a desenhar a casa do irmão de Santo Tirso. A minha impressão é a de que o Siza funciona por impulsos, portanto, nele existe uma reflexão muito interiorizada... Tem uma emotividade enorme.

Como não tenho dotes artísticos, para encontrar uma coerência, o meu percurso tinha de ser conquistado através do estudo. Durante o curso, dava explicações de filosofia e lia tudo. Na época, trabalhava muito pouco em arquitectura. A escola estava fechada e os meus colegas estavam todos em escritórios, mas só fui trabalhar com o Siza no quarto ano.

A Casa das Artes foi uma reacção; eu não sabia o que era o minimalismo. Entretanto, no escritório discutia-se muito. Lembro-me de uma conferência sobre o Alvar Aalto que o Siza me pediu para fazer na Gulbenkian. Quando lhe disse, com um certo radicalismo juvenil, que achava que a saída não era o expressionismo, nem o organicismo, ficou escandalizado. Siza perguntou-me qual era o arquitecto que eu gostava. Respondi-lhe que era o Mies van der Rohe.

P.- No nosso país começa a haver um desconforto generalizado com a ideia de um "star-system" de arquitectos. Reconhece-se dentro desse "star-system"? Acha que também tem aspectos benéficos, porque corresponde a um reconhecimento da importância da arquitectura?

R. - Sei que não sou um desconhecido, mas também não sei se sou do "star-system", porque não fiz nada para isso. Mas acho que o "star-system" tem algumas vantagens, não acontece por acaso. Implica uma vida de dedicação ou, então, transforma-se - e penso que não é o caso dos arquitectos portugueses - numa hipocrisia, um vedetismo bacoco. Portanto, obriga a uma qualidade, a uma intensidade de trabalho.

P.- Chamar um arquitecto, como Frank Gehry para fazer o Parque Mayer, em Lisboa, por exemplo, incomoda-o?

R. - Não me incomoda, porque há um outro aspecto que não tem sido falado: a cidade tem de ter monumentos e residências, é uma hierarquia. Foi sempre assim, a história da arquitectura fez-se por "Bruneleschis" e por "Berninis" que desenharam os monumentos e a residência era feita por massa anónima. Só massa anónima também não é cidade, falta-lhe hierarquia. E o contrário é ridículo, porque resulta numa bienal, um "boulevard" cheio de vedetas. Portanto, não acho contranatura. O importante é que isso não se transforme numa regra.

Pode-se levantar outra questão, que não tem nada a ver com a arquitectura; tem a ver com o lado social da arquitectura. Devem fazer-se estádios? Aceitei o de Braga, mas como cidadão acho que há coisas mais importantes. Devem chamar-se os "Gehrys"? Prefiro que o Gehry faça o Parque Mayer do que este seja entregue a algum curioso. Mas como cidadão acho que Portugal tem outras necessidades mais emergentes. Uma coisa é a qualidade intrínseca da disciplina e a outra é a disciplina inserida no ambiente social, cultural e urbano.

P.- Quando recebeu o Prémio Pessoa afirmou que isso lhe criava condições para ter uma posição mais interveniente, em termos culturais. Mas isso não se verificou, a não ser que consideremos a sua arquitectura como uma forma de intervenção.

R. - Quando fiz essa declaração não me transformei num comentador, preferi fazer ao contrário. O prémio deu-me acesso à mudança de escala. E, portanto, não fiz um discurso oral ou escrito, fiz um discurso da própria disciplina. Usei o meu método no estádio e nas outras obras. Pontualmente, quando preciso de falar, falo.

P.- Acha que nos últimos 10 anos a situação da arquitectura em Portugal tem evoluído?

R. - A mim mudou-me muito. E acho que a arquitectura também. O arquitecto é, cada vez mais, uma figura da nossa sociedade. Não há jornal nenhum que se folheie que não tenha uma notícia sobre arquitectura. Isso deve-se ao Taveira, que, quer se goste, ou não, foi quem lançou o arquitecto como uma figura pública. Antes a arquitectura era uma disciplina desconhecida. Com as Amoreiras, houve essa inversão. Assim como com o Siza, no Chiado.

P. - O que é interessante verificar no seu percurso é uma articulação entre um certo pragmatismo, à "Escola do Porto", e referências ao mundo literário, artístico e filosófico. Como é que gere esse conflito?

R. - Se os meios mudam, a acção muda. A cultura do Távora ou a do Siza nunca pode ser a cultura do João Luís Carrilho da Graça, por exemplo. Lembro-me de discutir com o Siza, quando andava entusiasmadíssimo com o Herberto Helder, que, para os meus problemas, tinha mais a ver comigo. O Siza preferia o Cesário Verde e o Távora tinha o Fernando Pessoa e os seus heterónimos. Para resolverem os seus problemas, cada um vai buscar os seus meios. O Távora vem dos homens que o marcaram: Le Corbusier, Bruno Zevi e Lúcio Costa. O Siza também passou uma época de grande suporte teórico. O Alvar Aalto foi uma figura de sustentação, dava saída à "não-saída" do Movimento Moderno. Depois, a produção da arquitectura começou a esvaziar-se do ponto de vista do suporte teórico. Eu já não tinha essa fundamentação: o Venturi punha tudo em causa. Nessa época, a última coisa importante, e que era muito subjectiva, era a autobiografia científica do Rossi e a "Arquitectura" do Donald Judd. Portanto, enquanto os arquitectos faliam do ponto de vista da produção teórica, de como projectar, os escritores ensinavam como escrever, os pintores como pintar, os músicos como fazer música... Encostei-me um pouco aos outros porque eram mais claros.

Mas o pós-modernismo acabou de uma maneira encapotada. O neomodernismo é uma espécie de pós-modernismo, porque as pessoas aderem por gosto. O Portoghesi faz cornijas porque gosta de cornijas; o Foster faz panos de vidro virados a sul porque gosta de vidro. E a postura é a mesma, porque a cornija não é precisa para nada e o pano de vidro também não.

P. - Quando na Casa das Artes utiliza o espelho como dispositivo ficcional, não se trata também de uma colagem pós-moderna?

R. - Não quero filosofar ou teorizar a minha arquitectura, mas acho que isso faz parte da cultura contemporânea. Não se pode esquecer o existencialismo e o fim da metafísica. O Herberto Helder ou o Heiddegger explicam isso muito bem. O espaço não existe, só existe o tempo. Só existe o espaço nos próprios elementos físicos: o muro é o espaço - não há espaço entremuros. Há, depois, através das sensações. Quando fiz a Casa das Artes não podia usar o Vignola, nem o princípio da composição, e a chamada "proporção" também não tinha sentido. O que eu tinha eram muros, pilares e depois a intuição de que entre estes se tinha que passar alguma coisa. Portanto, manipulava-os como cenários, com espelhos, com cores... Não há espaço, só elementos e pedras.

P. - Ainda continua a escrever o seu "caderno das citações"?

R.- Continuo. É um hábito antigo. É sempre o mesmo, não há assim frases tão boas todos os dias.

P. - Fazer um diário de citações significa que não é possível reproduzir uma narrativa linear moderna...

R. - O que eu gosto do modernismo é precisamente o lado superficial porque, neste momento, a coerência, a postura modernista heróica, de mudar o mundo, acabou. Ficaram o vidro, o ferro, os painéis e o sistema. Não é pejorativo, pelo contrário, é o que a arquitectura deve utilizar.

Beijing 2008

estádio olimpico

terça-feira, 2 de dezembro de 2003

ML

Originality is the art of concealing your sources.

quinta-feira, 27 de novembro de 2003

Salvaguarda da Fonte do Ídolo Concluída Até ao Final de Dezembro

2003-11-27 Quinta-feira
[ ABEL COENTRÃO ]
in Público

Salvaguarda da Fonte do Ídolo
Concluída
Até ao Final de Dezembro

As obras de construção do edifício de salvaguarda do Quintal do Ídolo - um santuário rupestre de origem romana situado junto à videoteca Municipal da rua do Raio, em Braga - deverão terminar em Dezembro deste ano. A empreitada, da responsabilidade da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), começou em Novembro do ano passado e deveria ter terminado este mês, mas a descoberta de elementos arqueológicos interessantes em escavações realizadas pela Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho na área de serviços, já no decurso dos trabalhos, obrigou a arquitecta responsável, Paula Silva, da delegação Norte da DGEMN, a introduzir algumas alterações no projecto, de modo a tornar visível o espaço em causa, que fica sob o patamar de onde os visitantes poderão observar a fonte, e a permitir o acesso dos investigadores ao local.

Os materiais em causa - uma conduta, alimentada por uma caixa de água parcialmente preservada e um muro irregular - terão um interesse maior para a comunidade científica do que para os leigos, mas considerou-se interessante mantê-los no local. Será no entanto preciso esperar até ao segundo trimestre de 2004 para visitar aquele que é um dos mais famosos e enigmáticos monumentos de Braga (ver caixas), já que, após a conclusão dos trabalhos de construção civil, a DGEMN tem ainda de abrir concurso para a musealização do edifício. Nesta fase dos trabalhos foram já despendidos quase 380 mil euros para defender da envolvente e do clima esta obra construída por um desconhecido cidadão romano, Célico Fronto, no Séc. I DC, a que acrescem 40 mil euros previstos no Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central para o próximo ano.

As obras de musealização do Quintal do Ídolo são a salvaguarda possível para um monumento que só muito tardiamente foi valorizado pelas autoridades públicas, Câmara de Braga - que agora até ficará responsável pela gestão do novo imóvel - e Instituto Português do Património Cultural (IPPC) à cabeça. Num artigo publicado no último número da revista da ASPA, a Mínia, Sande Lemos faz uma revisão muito critica do contexto arqueológico deste santuário, que viu toda a envolvente cercada por edifícios a partir dos anos 80, uma alteração que praticamente extinguiu os fios de água que alimentavam a fonte, já então encostada às traseiras de algumas casas da Avenida da Liberdade.

Em 1989, e dadas as descobertas que iam acontecendo, a Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho recomendou ao IPPC a realização de escavações "mais amplas e meticulosas" a sul, na zona dos Granjinhos, para onde se preparava a construção do centro comercial hoje existente. A recomendação não foi acatada. "De facto, sem aviso prévio e sem qualquer controlo arqueológico, em Setembro de 1989 toda a zona entre o acesso sudoeste ao hospital e a rua dos Granjinhos foi revolvida por máquinas", recorda Sande Lemos. O buraco manteve-se durante anos e escavações posteriores, já na década de 90, puseram a descoberto a destruição de elementos importantes para a reconstituição da envolvente à Fonte do Ídolo.

A UAUM chegou a pedir ao sucessor do IPPC, o Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico, e à autarquia, um inquérito às circunstâncias da destruição. Dois ofícios "que nunca tiveram resposta", lembra o investigador. "Em nosso entender foi um crime de lesa património, numa área legalmente protegida [fazia parte da zona arqueológica de Braga], e que nunca foi inquirido pela entidade de tutela, ou pelo Ministério Público, o que se lamenta. Aliás, os infractores foram beneficiados, pois que foi aprovada a construção pretendida, apesar do pedido de inquérito da UAUM", lembra o arqueólogo que

Data da descoberta desconhecida

Segundo Sande Lemos, a fonte do Ídolo é a par do santuário das Fragas de Panóias, em Vila Real, um dos mais conhecidos monumentos de epigrafia rupestre romana do Noroeste da Península ibérica. Não se sabe quando foi descoberta. Sabe-se, por exemplo, que não consta do famoso mapa de Braga desenhado por Braunio (Georg Braun), em 1594, onde até estão identificados outros pontos da antiga Bracara Augusta, e que a primeira alusão conhecida, que inclui um desenho, encontra-se na obra de Jerónimo Contador de Argote (1728). Nesta lê-se que "Detraz da Igreja de S. Marcos está um quintal, a que chamam o ídolo, nele está uma fonte funda, com tanque, e tem uma pedra, que parece ser rocha viva, a qual tem uma figura de roupas compridas,....". O investigador da Unidade de Arqueologia da UM levanta a hipótese de o monumento ter sido descoberto entre a segunda metade do século XVII e os primeiros anos do século XVIII, por via do rearranjo urbanístico da zona no período barroco, altura em que foram construídos à volta do núcleo medieval da cidade alguns palácios, entre eles o do Raio, a cinquenta metros do tanque. Este permanecerá alheio aos olhos dos topógrafos até que o romantismo do final do Século XIX o torna alvo da curiosidade de figuras como Martins Sarmento e Leite de Vasconcelos. Este último, nota o investigador da UM, acabaria por propor no segundo volume das "Religiões da Lusitânia", de 1905 "uma leitura coerente" do santuário, que a 6 de Junho de 1910 acabaria por ser classificado como Monumento Nacional

Arqueólogo acredita que a fonte terá sido um santuário privado

No artigo publicado no número dez da revista Mínia, apresentada esta semana, o arqueólogo Sande Lemos, levanta uma nova hipótese para o enquadramento do quintal do ídolo no contexto da cidade romana. Depois do francês Alain Tranoy (1981) ter sugerido que o monumento teria sido um santuário relacionado com a proximidade da necrópole da via Bracara - Aquae Flaviae - Asturica, e do galego António Rodriguez Colmenero (1993) o ter relacionado com cultos pré-romanos, o investigador da Unidade de Arqueologia da UM entende que ele possa ter sido afinal um santuário privado, erguido na propriedade de Celico Fronto. "Os dados de que dispomos sugerem que a fonte do Ídolo estava integrada no jardim de uma domus. Este tipo de pequenos santuários era frequente nas urbes do Império Romano", argumenta. Na perspectiva de Sande Lemos, se a fonte tivesse sido um santuário colectivo com eventuais raízes pré-romanas os arqueólogos da UM teriam encontrado elementos escavados nos afloramentos graníticos, "tal como se observam em vários monumentos do género", nota, o que não aconteceu mesmo quando foram efectuadas escavações de acompanhamento das obras em edifícios contíguos. Neste artigo, o investigador não põe de parte a eventual ligação à fonte de um lintel, hoje no Museu D. Diogo de Sousa, onde se pode ler uma inscrição mandada fazer pelos bisnetos de Celico Fronto e que refere uma qualquer reconstrução. Obras no tanque, o tal santuário privado? Na domus onde este estaria integrado. Hoje é muito difícil saber, mas Sande Lemos não deixa de sugerir que se pondere a inserção do lintel no espaço musealizado da fonte do Ídolo.

quarta-feira, 26 de novembro de 2003

ML

In the beginning was the word - and the word was four bytes.

2003-11-23 Quarta-feira
[ HELENA ROSETA ]
in Público

A Arquitectura
em
Tempo de Viragem


Depois de um Ano Nacional dedicado ao Direito à Arquitectura, reúne-se esta semana, com o mesmo lema, o Congresso dos Arquitectos. Passaram cem anos sobre a criação da primeira organização associativa de arquitectos e arqueólogos, em que pontificava Possidónio da Silva. Foi enorme o caminho percorrido. Gerações sucessivas de arquitectos ajudaram a construir a nossa identidade. Hoje, arquitectos portugueses são reconhecidos e projectam Portugal no mundo inteiro. Mas, na última década, a profissão modificou-se profundamente. Dois terços dos 11 mil arquitectos inscritos na Ordem têm menos de 40 anos. Esta percentagem, a norte do país, chega aos 80 por cento.

A esta explosão demográfica não correspondeu nenhuma alteração das políticas legislativas com impacto na arquitectura. A qualificação profissional exigível aos autores de projectos não foi alterada, apesar do êxito da petição entregue na Assembleia para revogar o velho decreto 73/73, que permite a não licenciados em arquitectura fazer projectos. Não existe, ao contrário do que acontece noutros países europeus, uma política nacional de arquitectura. Nem sequer temos, na estrutura do Governo, um interlocutor com quem debater as questões da arquitectura, como existe para o sector da saúde ou da justiça. É evidente que há matérias que são sempre transversais. Mas a ausência de um rosto ajuda a manter a ausência de uma responsabilidade.

Nuno Teotónio Pereira, uma das grandes referências da arquitectura portuguesa, apresenta ao próximo congresso uma comunicação em que compara o Congresso dos Arquitectos de 1948 com a situação actual. Em 1948, um grupo de jovens arquitectos revoltou-se contra a imposição pelo regime salazarista de um estilo "nacional". E partiram, sob o impulso de Keil do Amaral, à descoberta da arquitectura popular, procurando um saber antigo e essencial, onde as formas habitadas nascem da relação entre o homem e o meio. Hoje, diz Teotónio Pereira, a liberdade de expressão arquitectónica não está ameaçada pela ditadura política mas pela ditadura do mercado. O que se vende, diz ele, é uma arquitectura medíocre, que não pode deixar de afectar a qualidade de todo o tecido urbano. Ou então, acrescento eu, o nome de grandes arquitectos é usado para alavancar operações imobiliárias e tornear procedimentos legais. O resultado não favorece a cidadania.

Se até agora os arquitectos podiam esconder-se na culpa alheia para não assumir a sua quota parte no estado das nossas cidades, periferias e paisagem, a já prometida revogação do decreto 73/73 vai trazer-nos responsabilidades acrescidas. Só isso bastaria para fazer deste congresso um marco importante para uma nova etapa na arquitectura em Portugal.

Mas há muito mais a fazer: abrir o debate sobre a arquitectura a todos os cidadãos, no espírito do "direito à arquitectura" que vimos defendendo e que implica a possibilidade de toda a gente usufruir de espaços bem pensados para habitar, trabalhar, resolver os problemas do seu dia-a-dia ou simplesmente passear; manter um elevado nível de exigência profissional e deontológica; cooperar com as outras ordens e parceiros associativos, nomeadamente as associações empresariais da construção civil, para melhorar a qualidade da arquitectura, da construção e do ambiente urbano; aumentar a capacidade de resposta qualificada na área do urbanismo, através do Colégio de Especialidade e em diálogo com os restantes profissionais do sector; avaliar criticamente o ensino da arquitectura e as provas de admissão à Ordem, que este ano se realizaram pela primeira vez com uma taxa de reprovação de 95 por cento; mudar o actual sistema de entrada na Ordem por forma a que as provas de admissão tenham lugar no fim e não no princípio do estágio; enfim, melhorar os processos de regulação interna da profissão, sem esquecer que o objectivo final deve ser sempre a promoção e defesa da arquitectura como um direito, um serviço e um bem a que os cidadãos devem ter acesso. A criação da figura do provedor da Arquitectura, no espírito do provedor do cliente há dias defendido neste jornal por Vital Moreira, será uma inovação a realizar desde já.

A arquitectura é um recurso nacional, tanto mais relevante quão difíceis são os tempos. Não podemos desperdiçar meios. A capacidade criativa e o talento dos arquitectos são cada vez mais necessários. Há que trazer valor acrescentado a um sector económico, o da construção civil, que está a atravessar uma crise recessiva e que precisa de se reformular. Há que contribuir para melhorar o estado do ambiente urbano e do território. Há que tornar mais transparentes os circuitos de decisão no processo imobilário e na distribuição da encomenda pública. Há que desenhar um modelo sustentável de desenvolvimento para Portugal, que valorize os nossos recursos sem delapidar o futuro. É o momento de os arquitectos se voltarem a mobilizar, como fizeram em 1948, pela liberdade de expressão e pelo interesse público. Acrescentando-lhe, em pleno século XXI, as novas formas de defesa da cidadania, de que essa liberdade é condição imprescindível e que o interesse público exige.

terça-feira, 25 de novembro de 2003

ML

Faith move mountains. People in a hurry prefer dinamite...

quarta-feira, 19 de novembro de 2003

sábado, 15 de novembro de 2003

Prémio : Piada do Ano

bartoon @ publico.pt

Os 14 Escolhidos para o "À Sombra de Deus 3"

2003-11-15
[ NUNO PASSOS ]
in Público

Os 14 Escolhidos
para o
"À Sombra de Deus 3"

Estão já escolhidos os 14 projectos musicais bracarenses que vão fazer parte da compilação "À Sombra de Deus 3", a lançar pela Câmara Municipal de Braga em Maio de 2004. Aos convidados Mão Morta, Big Fat Mamma e Demon Dagger, juntam-se o rock de Freequency e Jack In The Box, o hard rock de Spank The Monkey, o drum'n'bass de Phi, o electrónico de VortexSoundTech, o experimentalismo de Mecanosphere, o hip-hop de Zero, os cantautores The Neon Road e André Leite e o alternativo de Wave Simulator e Seis Graus de Separação.

"Fiquei surpreendido com a quantidade, qualidade e diversidade sonora que existe em Braga. Esta é uma cidade musicalmente cosmopolita e estamos num ciclo de grande força criativa, a evolução aponta para múltiplas tendências", considerou ao PÚBLICO Miguel Pedro (Mão Morta), que será o produtor artístico e executivo da colectânea. "À Sombra de Deus 3" surge igualmente como uma resposta à crescente oferta musical da capital do Baixo Minho, que, em termos comparativos, tem mais de um milhar de alunos a frequentar as suas cinco escolas de música.

Dos 12 projectos previstos inicialmente pela autarquia - que vai investir cerca de 12 mil euros -, teve de se passar para 14, devido ao elevado número de maquetas concorrentes (30). Os critérios de escolha basearam-se na coerência instrumental, na abrangência de estilos, no currículo da formação e na experiência dos intérpretes. "A selecção final foi dificílima. Foi o juízo da subjectividade, com uma escolha coerente mas não justa. Há boas bandas que ficaram de fora, inclusive algumas que nem um ano têm", sublinhou Miguel Pedro.

A compilação tem uma vertente comercial e, acima de tudo, nacional, concedendo aos grupos emergentes a aproximação aos média e ao mercado. As 1500 cópias da primeira edição devem chegar aos escaparates através de uma distribuidora e, em complemento, ser vendidas com um jornal semanário de música. "O CD deve funcionar como uma verdadeira infra-estrutura, algo que se mantenha além do tempo e que, por outro lado, sirva para fomentar a carreira das novas bandas, permitindo-lhes arranjar concertos e um eventual contrato discográfico", continuou o baterista dos Mão Morta.

Em Dezembro e Janeiro, decide-se o tema que cada colectivo vai incluir e as datas das gravações, que vão decorrer em Fevereiro, nos estúdios bracarenses da Casa do Rolão. Cada grupo terá até dois dias para gravar e conta com o apoio do técnico de som Nelson Carvalho (Mão Morta, Blind Zero). As misturas e masterização decorrem em Abril e Maio.

O músico Paulo Trindade (Seis Graus de Separação, ex-Rua do Gin) e os Mão Morta são os únicos a estar nos três "best of" da autarquia, que já lançara em 1989 e 1995 projectos como Rongwrong, Calígula, Espírito Ressacado ou Pupilas Dilatadas.

BANDAS ESCOLHIDAS

André Leite
Big Fat Mamma
Demon Dagger
Freequency
Jack In The Box
Mão Morta
Mecanosphere
Phi
Seis Graus de Separação
Spank The Monkey
The Neon Road
VortexSoundTech
Wave Simulator
Zero

sexta-feira, 14 de novembro de 2003

ao pontapé

bartoon @ publico.pt

ML

Nobody will ever win the battle of the sexes.
There's too much fraternizing with the enemy.

quinta-feira, 13 de novembro de 2003

Gretchen

Porto, Teatro Carlos Alberto - R.das Oliveiras,43
De 21-11-2003 a 29-11-2003
Terça a sábado às 21h30 Domingo às 16h00
[+]

TGV

bartoon @ publico.pt
entretanto continuarei a demorar duas horas
na viagem braga-porto.

uns fantásticos 25km/h. (chego a enjoar de vertigem)

sexta-feira, 7 de novembro de 2003

Galileu

O Cão Danado e Companhia
e o Espaço Artes Múltiplas apresentam
 
Galileu
a partir de A Vida de Galileu, de Bertolt Brecht.

 

Um acontecimento dramático inserido no ciclo temático
A Ciência, o Homem e o Inconformismo

 

13 a 29 de Novembro de 2003 (de terça a sábado),
no Espaço Artes Múltiplas (às Belas Artes - Porto), pelas 21h30.

Reservas : 965 104 388; 936 736 459; 223 403 503 (lotação limitada)

 

Mal sabiam os teus doutos juizes, grandes senhores deste pequeno mundo, que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços, andavam a correr e a rolar pelos espaços à razão de trinta quilómetros por segundo”.

António Gedeão

 

Encenação e adaptação: Manuel Sardinha
Desenho de luz: Jorge Ribeiro
Figurinista: Arminda Reis
Video: João Santos
Design gráfico e fotografia de cena: Rui Ferreira

Elenco
Fernando Moreira
Luís Araújo
Nelson Rodrigues
Sara Barbosa

Electric Dreams

Liquid Fire

quinta-feira, 6 de novembro de 2003

ML

If the pen is mightier than the sword, and a picture is worth a thousand words, how dangerous is a fax?

quarta-feira, 5 de novembro de 2003

hj

e vem-me à memória uma frase batida...

segunda-feira, 3 de novembro de 2003

Cara d'Anjo Mau

Os teus olhos são cor de pólvora, o teu cabelo é o rastilho
o teu modo de andar é uma forma eficaz de atrair sarilho
a tua silhueta é um mistério da criação
e sobretudo tens cara de anjo mau

Cara de anjo mau, tu deitas tudo a perder
basta um olhar teu e o chão começa a ceder
cara de anjo mau, contigo é facil cair
quem te ensinou a ser sempre a última a rir?

Que posso eu fazer ao ver-te acenar a ferida universal?
Que posso eu desejar ao avistar tão delicioso mar?
Que posso eu parecer quando me sinto fora de mim?
Que posso eu tentar senão ir até ao fim?

Cara de anjo mau, tu deitas tudo a perder
basta um olhar teu e o chão começa a ceder
cara de anjo mau, contigo é facil cair
quem te ensinou a ser sempre a última a rir?

Por ti mandava arranjar os dentes e comprava um colchão
Por ti mandava embora o gato por quem eu tenho tanta afeição
Por ti deixava de mater o dedo no meu nariz
Por ti abandonava o meu país

Cara de anjo mau, tu deitas tudo a perder
basta um olhar teu e o chão começa a ceder
cara de anjo mau, contigo é facil cair
quem te ensinou a ser sempre a última a rir?

--- Letra e Música de Jorge Palma

domingo, 2 de novembro de 2003

NOTÍCIA DE ÚLTIMA HORA
Ferro Rodrigues agride grupo de escuteiros.
"Os gajos tinham uma t-shirt a dizer Corpo Nacional de Escutas",
disse o líder do PS.

Always be sincere - Even when you don't mean it.

domingo, 26 de outubro de 2003


e a minha vida voltou a estar definida em 34 pontos

> 1. ...the alarm clock tells you when to go to sleep.
> 2. ...you're not ashamed of drooling in class anymore,especially in the Structures lecture.
> 3. ...you know what UHU tastes like.
> 4. ...you CELEBRATE space and OBSERVE your birthday.
> 5. ...coffee and cokes are tools, not treats.
> 6. ...people get nauseous just by smelling your caffeine breath.
> 7. ...you get surprised when you see a new building in your school.
> 8. ...you think it's possible to CREATE space.
> 9. ...you've slept more than 20 hours non-stop in a single weekend.
> 10. ...you fight with inanimate objects.
> 11. ...you've fallen asleep in the washroom.
> 12. ...you're brother or sister thinks he or she is an only child.
> 13. ...you've listened to all your cds in less than 48 hours.
> 14. ...you're not seen in public.
> 15. ...you lose your house keys for a week and you don't even notice.
> 16. ...you've brushed your teeth and washed your hair in the school's washroom.
> 17. ...you've discovered the benefits of having none or very short hair. You?ve started to appreciate inheriting baldness.
> 18. ...you've used an entire role of film to photograph the sidewalk.
> 19. ...you know the exact time the vending machines are refilled.
> 20. ...you always carry your deodorant.
> 21. ...you become excellent at recycling when making models.
> 22. ...when you try to communicate, you make a continuous and monotonous whine.
> 23. ...when someone offers you a Bic pen, you feel offended.
> 24. ...you take notes and messages with a rapidograph and color markers.
> 25. ...you combine breakfast, lunch and dinner into one single meal.
> 26. ...you see holidays only as extra sleeping time.
> 27. ...you've got more photographs of buildings than of actual people.
> 28. ...you've taken your girlfriend (boyfriend) on a date to a construction site.
> 29. ...you've realized that French curves are not that exciting.
> 30. ...you can live without human contact, food or daylight, but if you can't print. it's chaos.
> 31. ...when you're being shown pictures of a trip, you ask what the human scale is.
> 32. ...you can use Photoshop, Illustrator and make a web page, but you don't know how to use Excel.
> 33. ...You refer to great architects (dead or alive) by their first name, as if you knew them. (Frank, Mies, Norman...)
> 34. ...you buy 50 dollar magazines that you haven't read yet.

domingo, 19 de outubro de 2003

uma bola de fogo

If one synchronized swimmer drowns, do the rest have to drown too?

terça-feira, 14 de outubro de 2003

habitantes / BookCrossers

Considerando apenas os registos no nome mais correcto de cada país, o "ranking" de países com maior implantação do BC (número de pessoas por "bookcrosser") dá o seguinte resultado:

1. Nova Zelândia: 2149
2. Canadá: 2310
3. Estados Unidos: 3044
4. Austrália: 4198
5. Portugal: 4545
6. Reino Unido: 5360
7. Itália: 6215
8. Países Baixos: 7272
9. Espanha: 8562
10. Alemanha: 10641
11. França: 35566
12. Brasil: 151436

Pois também me parece que, como defende o Francisco – Xuaxo Portugal, o indicador deve ser ponderado em termos de população, que é o nosso limite de crescimento. Estão a ver como somos mesmo uma potência disto. O primeiro pais que não tem inglês como língua oficial. E à frente do Reino Unido. Estão a ver o que vocês foram fazer :)? Isto é uma coisa de tão poucos meses :). Mas é apenas um ranking, o mais importante é que bc luso seja dos mais divertidos, afinal até há muita gente que gosta de ler.

If love is blind, why is lingerie so popular?

Success is relative - the more success, the more relatives.

Better days will come. And they will known as Saturdays and Sundays.

Dear Santa, all I want for Christmas is your list of naughty girls

Bacteria, it's the only culture some people have!

If people from Poland are called "Poles," why aren't people from Holland called "Holes"?

We must believe in free will. We have no choice.

I pretend to work. They pretend to pay me.

People who think they're perfect are very annoying to those of us who really are.

terça-feira, 7 de outubro de 2003

sexta-feira, 3 de outubro de 2003

link

'bracara angústia' *****

domingo, 14 de setembro de 2003

O Novo Estádio Municipal de Braga

2003-09-14
[ FILIPE FONTES, arquitecto ]
público

O Novo
Estádio Municipal
de Braga

"Criar a forma com a essência do problema e os meios da nossa época - esta é a nossa tarefa"
Mies van der Rohe

De todos os estádios de futebol em construção no país, o novo estádio municipal de Braga, afigura-se aquele que mais apaixonadamente entusiasma os arquitectos em particular e os cidadãos em geral, sendo já, ainda não finalizado, considerado uma "obra arquitectónica" de referência do novo século...

Objecto de rasgados elogios mas também de acesa polémica, o novo estádio municipal de Braga constitui-se como um elemento notável na actual produção arquitectónica do país, afirmando-se pela sua qualidade conceptual, singular enquadramento paisagístico e arrojo construtivo.

Não pretendendo reflectir sobre a obra arquitectónica de uma forma aprofundada ou académica, nem tão pouco alimentar a polémica verificada, nomeadamente ao nível do investimento público e controlo orçamental, é intenção deste texto relacionar a nova construção com a cidade, o Minho e o país, tentando perceber como a mesma obra poderá conformar-se como uma "mais-valia" , enriquecendo o património arquitectónico, marcando o território, influenciando as pessoas, em conclusão, prestando um serviço à comunidade e, consequentemente, gerando mais qualidade de vida.

O novo estádio municipal de Braga é uma obra de evidências, interesses e expectativas:

Evidências na confirmação do seu autor, arquitecto Eduardo Souto Moura, como arquitecto de mérito quer na procura conceptual da melhor solução para a encomenda, quer no domínio da escala da intervenção, quer na assunção do projecto e seus resultados.

Evidências no entendimento da arquitectura como actividade multidisciplinar que necessita, recorre e incorpora muitos outros saberes e técnicas (geologia, engenharias, hidráulica, segurança, paisagismo,...), e "cuja prática corresponde a um serviço profissional que é simultaneamente económico e cultural"(2).

Evidências na descoberta do carácter urbano da intervenção não só pelos seus elementos urbanos que encerra (nomeadamente as suas duas grandes praças que ladeiam, a cotas diferentes, o estádio) como também pela sua matriz estruturadora de todo o espaço envolvente que irá emergir urbanística e construtivamente.

Evidências no arrojo e singularidade que a obra encerra, percepcionando o futebol como um espectáculo sujeito a regras de conforto físico e visual.

Evidências na preocupação paisagística, negando a imposição do construído na paisagem, mas dispondo a massa edificada a participar na composição e qualificação dessa mesma paisagem.

Interesses pelas suas características inovadoras e qualitativas, ao nível da paisagem, da arquitectura e da construção, afigurando-se capaz de atrair inúmeros visitantes, de interesses diferenciados, com repercussões directas para o turismo da cidade e região.

Interesses pelo seu ambiente único e singular que o fará "sedutor" de muitos eventos, o que, aliado ao parágrafo anterior, gerará fluxos de pessoas e bens, beneficiando a economia da cidade e da região.

Interesses pelo seu carácter excepcional e singular, motivando investigação, estudo, visitas e gerando o património de amanhã (...enriquecendo, assim, as vertentes patrimonial e cultural da cidade e região).

Interesses pela forma como poderá disciplinar e induzir qualidade no planeamento urbano de uma nova área urbana de Braga, beneficiando, assim, o urbanismo da cidade e região.

Expectativas sobre a sua funcionalidade em função das actividades previstas e do "ambiente natural que a rodeia" (...por exemplo, os ventos,...)

Expectativas sobre o equilíbrio racional entre o arrojo e a singularidade da obra com o seu custo, não só de construção como também de manutenção.

Expectativas sobre a confirmação da sua capacidade de atracção de eventos e actividades, que não somente desafios de futebol, potenciando uma utilização diversificada e "usufruível" por todos que não somente espectadores de desafios de futebol.

Expectativas sobre a sua capacidade de influenciar a prática arquitectónica na zona envolvente ao estádio e, numa perspectiva mais ampla, na cidade e região.

Este parece ser o grande desafio que o novo estádio municipal de Braga encerra como "obra arquitectónica": confirmar as expectativas, satisfazer e rentabilizar os interesses, superar as expectativas (transformando-as em razões positivos da obra em causa), conjugando e maximizando o sítio, o programa, a forma, a construção e a apropriação num processo gerador de património construído, cultural e serviço público à comunidade.

Se assim for, o que se afigura por todos desejado e a todos interessar, o novo estádio municipal de Braga será uma bela forma de celebrar o ano de 2003 como o ano nacional da arquitectura, expondo e usufruindo o cada vez mais inalienável "direito à arquitectura" que a todos assiste!

(2) Rui Barreiros Duarte

A Sé de Braga

2003-09-14
[ EDUARDO PIRES DE OLIVEIRA]
público

A

de Braga

Pouco sabemos sobre os templos romano e pré-românico que existiram no local onde o bispo D. Pedro (1070-1091) veio a levantar os primeiros alicerces e paredes da actual igreja. Da mesma forma, também não discutiremos a sua primitiva planta, se teria três ou cinco naves. Retenhamos apenas que a estrutura é ainda profundamente românica e que, apesar das mil e umas alterações que sofreu ao longo dos séculos, é essa aparência medieval que o torna conhecido.

Claro que há partes em que se sentem outros gostos, outras vontades. Nomeadamente a de D. Diogo de Sousa (1505-1532), sem dúvida alguma a mais importante personalidade em toda a história bimilenar desta cidade arquiepiscopal. Com este arcebispo, Braga transformou-se; não foi sem razão que afirmou numa das cartas que escreveu ao rei D. João III, de quem era confessor, que tinha alterado radicalmente a cidade, que os singelos edifícios de barro tinham sido trocados por outros bem robustos, de pedra. Ou seja, Braga perdera a aparência de uma espécie de acampamento organizado e passava a ter uma estrutura urbana moderna.

Se olharmos a lista de obras que fez na Sé, veremos que a transformou definitivamente. E, como obra maior, ainda persiste a capela-mor, em que se fez o primeiro tecto curvo (de combados) que houve em Portugal e um imenso retábulo composto por um grande número de imagens de pedra de Ançã, hoje infelizmente perdido.

E se é verdade que ficamos presos à beleza daquele tecto, também não é menos verdade que esta foi a primeira obra lavrada em território português pelo grande Diogo de Castilho, o insigne mestre de pedraria biscainho que viria a ser nomeado arquitecto régio e que tanta influência teria na arquitectura portuguesa, na matriz de Vila do Conde, nos Jerónimos, em Tomar e em muitos outros locais, Marrocos incluído.

A magnífica sacristia mandada fazer por D. João de Sousa (1696-1703) e concebida por outro arquitecto régio, João Antunes, trouxe uma nova lufada de ar fresco na arquitectura bracarense; mas a cidade não a soube entender, presa que estava aos valores de um tardo maneirismo que se estendeu quase até aos finais do primeiro terço de Setecentos. A proposta era demasiado aberta, excessivamente ousada para uma cidade que estava a aceitar bem o barroco, mas apenas no domínio da talha e das artes ditas menores.

Aliás, o arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles (1704-1728), um dos que mais fortemente interveio na Sé, manteve como seu mestre favorito um engenheiro militar, Manuel Pinto Vilalobos. No seu período, a catedral encheu-se de retábulos, grades, lampadários e outras peças mais; e as paredes receberam amplos rodapés de azulejos. E porque o cerimonial era uma parte importante, mandou imprimir um novo Breviário, para melhor organizar a actividade religiosa da catedral e dos templos da arquidiocese.

Embora as naves tenham ganho uma fortíssima ambiência barroca, foi só com a construção do novo cadeiral (1737) e dos esplendorosos órgãos - cujas caixas foram requintadamente esculpidas por Marceliano de Araújo - que a Sé ganhou um fulgor que inebriou toda a cidade.

Durante umas boas quatro décadas, a Sé manteve este seu aspecto festivo. Mas a partir de 1779 tudo se transformaria. O cónego Manuel Vale propôs e o arcebispo aceitou que o interior fosse totalmente remodelado, profundamente simplificado com novos retábulos neoclássicos, quiçá desenhados por Carlos Amarante, o protegido de D. Gaspar de Bragança.

Estava dado o novo mote: retiraram-se os rodapés de azulejos que cobriam as paredes laterais, os retábulos que estavam no meio do templo encostados às grandes pilastras, trocaram-se os que estavam na cabeceira e ao longo das paredes por outros bem mais simples e por um novo apostolado - por sinal magnífico - que viera de Lisboa, as confrarias, como a de Nª Sª do Rosário, encomendaram esculturas e pinturas em Roma... Quem tivesse passado meia dúzia de anos fora de Braga e voltasse a entrar na catedral, pensaria que tinha acontecido um terramoto!

Curiosamente, apesar de todas estas alterações recebidas nos tempos do barroco e do neoclássico, houve sempre um grande respeito pelo magnífico retábulo-mor renascentista de D. Diogo de Sousa. Mas, em 1877, sem qualquer razão perceptível, foi decidido trocar esta obra-prima por um outro feito de meia dúzia de tábuas lisas e uns tantos panos ricos. A catedral perdia assim, definitivamente, uma das suas obras maiores, pois nem sequer houve o cuidado de guardar a bom recato na "casa do tesouro" - que já então era uma espécie de museu - o conjunto de esculturas que o compunham!

Foi para tentar dar uma certa "arrumação" a todas as obras anteriores e consolidar as paredes que estavam com graves problemas, que os Monumentos Nacionais aqui gastaram, a partir de 1929 e durante mais de três décadas, uns largos milhares de contos. Pena foi que tivessem avançado com ideias preconcebidas - voltar a dar à Sé um ambiente românico - e que prestassem pouca atenção aos vestígios que iam surgindo conforme se iam demolindo ou descascando as paredes.

Hoje e apesar daquela obra, a Sé Catedral de Braga continua a mostrar a sua inegável grandeza, as razões porque é a sede de uma arquidiocese "Primaz das Hespanhas".

Convite aos leitores

O destino do Passeio Público é, no próximo sábado, a Sé de Braga, e um mundo de desígnios e pequenos pormenores a descobrir nas palavras de Eduardo Pires Oliveira e em cada canto na sede da mais velha diocese portuguesa. As capelas dos Reis, de S. Geraldo e da Glória, o Tesouro, sobretudo o Coro alto, as camadas de que se compõe a intervenção humana no espaço com o devido enquadramento histórico são partes da ementa de um manjar riquíssimo de conhecimento, desde logo das raízes do nosso país. O encontro fica marcado para as 10h00, na porta principal da Sé.

domingo, 31 de agosto de 2003

Oferta Cultural Incipiente e Sem Novidades

2003-08-31
[ISABEL FREIRE]
Público

Oferta Cultural Incipiente
e
Sem Novidades

Passado o periodo de férias, a próxima temporada cultural está já agendada mas parece não ter grandes novidades ou emoções para oferecer ao público minhoto. À parte alguns concertos de relevo e uma ou outra estreia teatral, o leque de opções não é muito variado, e a autarquias dizem mesmo que preferem apostar na formação de novos públicos orientando grande parte das suas actividades para a população escolar.
"É extremamente compensador quando vemos um filho a explicar ao pai o significado de uma peça de uma exposição de arte, porque um dos nossos colaboradores já o esclareceu, na sua escola" - congratula-se o director da Casa das Artes de Arcos de Valdevez, Nuno Soares. É no sentido de "sensibilizar as crianças" para que "as áreas culturais não sejam estéreis e vagas" na sua cabeça, que esta estrutura cultural vai desenvolver acções de formação nas próprias escolas, explica Soares.
É uma iniciativa que será retomada agora em Setembro e que encontra exemplos paralelos noutras cidades, como é o caso de Famalicão. "As crianças são bons espectadores. É mais fácil captar um miúdo do que um adulto para um espectáculo", considera o programador da Casa das Artes de Famalicão. Paulo Brandão promete que a cultura famalicense irá ser retomada "em força", com um concerto do brasileiro Zeca Baleiro e uma peça de teatro de Jacinto Lucas Pires. Mas a aposta desta instituição será sobretudo na produção e co-produção da responsabilidade da casa. "Há um esforço para envolver o nome da casa das artes no espectáculo, o que nos permite uma melhor escolha, tomando uma parte activa no projecto cultural", augura Paulo Brandão.
A aposta na "prata da casa" é uma tendência que se verifica também em Guimarães, nomeadamente no Teatro Oficina. "A nossa próxima peça ['Uma coisa simples'] é construída a partir de nada, pensada e executada apenas com os recursos da Oficina", explica o administrador desta cooperativa cultural, José Bastos.
A preocupação em "não sobrepor" as iniciativas camarárias às dos outros agentes culturais vimaranenses, como a Oficina, é uma preocupação afirmada pela vereadora da Cultura de Guimarães, Francisca Abreu. "Sempre com critérios de qualidade e rigor, não queremos enveredar por facilitismos de encher estádios nem trazer propostas feitas pelos outros. Queremos colmatar lacunas e investir na área da formação."

União de esforços

A área da formação é, precisamente, uma componente importante na oferta cultural daquela cidade para o próximo mês. Formação musical, profissional ou destinada às crianças, que Francisca Abreu alega ter um "impacto mais duradouro". Para além disso, sublinha que quase todas os eventos da câmara são realizados em parceria com outras entidades culturais, o que "acrescenta uma mais-valia ao projecto cultural, pois traz outras perspectivas e interesses."
Uma opinião partilhada pelo director da companhia Teatro do Noroeste, José Martins. O artista defende uma cooperação a um nível internacional, já que, "se os portugueses se quiserem afirmar na Europa, terão que o fazer com o restante teatro da Península Ibérica". O "plano estratégico" daquela companhia de Viana do Castelo passará, pois, pela continuação do intercâmbio com o teatro do país vizinho. Este é um plano que pretendem aplicar já no seu próximo trabalho, numa parceria com o encenador espanhol Guillerme Heras.
Para José Martins, a actividade cultural em Viana do Castelo está ainda numa fase incipiente: "Anda-se a esboçar uma tentativa do que se pode chamar uma vida cultural normalizada, na qual o facto cultural faz parte da vida, com a mesma regularidade com que alguém usa os transportes públicos ou os serviços de saúde".
A aposta da autarquia da foz do Lima vai nesse mesmo sentido, ao pretender criar "uma rotina de cultura com uma oferta diária e diversificada", alega a vereadora da Cultura, Flora Silva. Setembro "ainda será um mês de transição com um misto de actividades ao ar livre e de projectos em espaços formais", por isso, os vianenses poderão contar com um cardápio essencialmente virado para o folclore e astradições. A "descentralização da cultura", tal como é descrita por Flora Silva, vai ao encontro das freguesias, deixando de se limitar à "cultura urbana" e contribuindo para a "mobilização de agentes culturais" privados.
Para a homóloga bracarense, Ilda Carneiro, a relação entre autarquia e os agentes culturais é óptima: "Temos apoiado todos os projectos que nos são trazidos". Segundo a vereadora, a oferta da cidade dos arcebispos visa ser "eclética", procurando "dar a conhecer espectáculos de índole considerada elitista a um novo público mais amplo", usando "novas fórmulas" de apresentação, para colmatar a falta de espaços existentes (ver caixa).
O proprietário do bar "Deslize", situado na zona da Sé, reconhece os esforços da edilidade em relação à dinamização artística. "Nos últimos anos, perceberam que a cultura é muito importante", salientou José Pinto. Apesar disso, o empresário lamenta o facto de "esses esforços não obedecerem a um desenvolvimento estratégico", agindo "consoante o momento". Peças teatrais ou concertos de música jazz são eventos que poderão constar na agenda futura deste bar, mas só se o projecto tiver continuação. Neste momento o "Deslize" espera uma decisão do tribunal, que pode ditar o seu encerramento.
"O diálogo entre a câmara, a Universidade do Minho e as outras entidades culturais podia ser maior", afirma, por outro lado, o director da Biblioteca Pública de Braga, Henrique Barreto Nunes. "A cidade não tem aproveitado a massa cinzenta da universidade da forma mais rentável", alega, acrescentando que "para a terceira cidade do país e com uma população jovem tão numerosa", a oferta cultural "não é tão interessante e diversificada" como seria esperado.

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Intervalo em Agosto

Durante o mês passado, a maior parte dos agentes culturais minhotos esteve de "férias", deixando as actividades urbanas reduzidas, na sua maioria, a manifestações de origem popular ou animações de rua.
A Biblioteca Pública de Braga manteve apenas a exposição - "Minho Oitocentista", e também a actividade das casas das artes de Famalicão e de Arcos de Valdevez ficou reduzida a uma única exposição. Paulo Brandão, programador da instituição famalicense, afirma que durante o mês de férias tiveram "muita gente nos corredores a perguntar se havia alguma coisa lá" e, por isso, para o próximo Verão, estão a pensar em manter "uma série de ateliers para as pessoas que não vão de férias".
"Agosto é o mês de intervalo entre temporadas teatrais", explicou o director da CTB, Rui Madeira. Um mês passado, pelos actores da Companhia de Teatro de Braga e do Teatro do Noroeste, de Viana de Castelo, em descanso ou em digressão pelo país.
Diferente é a perspectiva da vereadora da Culturada Câmara de Braga, Ilda Carneiro, que considera que durante o mês de Agosto a animação bracarense é "muito diversificada", conseguindo atingir "elevados níveis de assistência". Como é Verão, aquilo que se procura oferecer às pessoas é uma "animação mais leve, de lazer, que as deixe satisfeitas", argumenta.
António Durães, um dos elementos fundadores do "sindicato de poesia", alega que se verifica na cidade uma "falta de iniciativa durante o ano todo", assistindo-se por parte da autarquia a "uma série de discursos que se anulam." Embora os "trabalhadores" do "sindicato" estejam de folga, fica a promessa de voltarem em Setembro com a reposição da última actuação e uma proposta "nova e arrojada".
Mas as férias não chegaram a todos. Em Guimarães, o cine-clube prosseguiu as suas sessões, com cinema ao ar livre, no centro histórico, três dias por semana.

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O problema é da falta de espaços?

A falta de espaços em Braga é a grande condicionante, segundo Ilda Carneiro, para a realização de espectáculos de dimensão nacional. "Com o Teatro Circo em obras, neste momento, não temos espaços para grandes bailados ou espectáculos de grandes nomes". A candidatura a Capital Nacional da Cultura, apresentada pela Câmara Municipal, refere que a cidade "dispõe de uma rede de equipamentos culturais diversificada que vai desde grandes auditórios até teatros de bolso", e o director da Companhia de Teatro de Braga (CTB), Rui Madeira, afirma que o problema não é a falta de espaços mas antes a "falta de infraestruturas" e a "falta de fazer coisas". "Existe um preconceito de que para fazer alguma coisa são precisas todas as condições", alega o actor e encenador. Mesmo instalado num espaço provisório - o Espaço Alternativo PT - sem as condições ideais, Rui Madeira recusa-se a desempenhar o "papel de desgraçadinho": "Conhecemos o espaço, sabemos as suas limitações e até onde podemos ir com ele." É nesta linha de pensamento que afirma que mesmo com o Teatro Circo restaurado, a CTB não tem a intenção de se mudar para novas instalações.

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Principais espectáculos para Setembro

Braga
- "A vida de Komikase" , pela Companhia de Teatro de Braga
- "A luz irrompe em lugares estranhos" - recital de poesia promovido pelo Sindicato de Poesia
- Bar Deslize - "Encontrões da fotografia" e espectáculos de café-teatro (às quintas e sextas)
- Concerto com Rodrigo Leão ("Pasión") - Parque de Exposições, dia 10

Guimarães
- VII Cursos Internacionais de Música (dias 1 a 6)
- "Estórias aos solavancos" - Visita-guiada encenada ao centro histórico (dias 6,13, 20 e 27)
- Expotunning - Pavilhão Multiusos de Guimarães (dias 19 a 21)
ografias premiadas - biblioteca Raúl Brandão

Famalicão
- Concerto Zeca Baleiro, na Feira de Artesanato (dia 12)
-Teatro: "Os dias de hoje", com texto de Jacinto Lucas Pires - Casa das Artes (dias 19 e 20)
- Dança/Teatro Casio Tone e atelier pela Companhia Real Pelágio - Casa das Artes (dias 25 a 28)
- Música Popular Brasileira - "Tributo a Elis Regina"- Casa das Artes (dia 26)

Viana do Castelo
- Ciclo de Música Sacra Viana 2003
- VII Festival Internacional de Folclore Alto Minho (dias 1 a 7)
- Concerto "Pasión", por Rodrigo Leão (dia 12)
- Espectáculo de Percussões "Tim-Tam-Tum" (dia 13)
- Espectáculo de teatro "Avarias", pelo Teatro Mínimo de Lisboa (dias 19 e 20)
- Espectáculo de marionetas "Dança Comigo", pelo grupo Marionetas, Actores e Objectos de Viana do Castelo (dias 26 e 27 )

sexta-feira, 22 de agosto de 2003

Queens of the Stone Age

« [...] algo me diz que o rock nunca vai morrer. Nos próximos dez anos, muitas coisas hão-de nascer e morrer; entretanto, o rock vai desaparecer por algum tempo, mas depois há-de vir alguém com roupas estranhas - umas jardineiras, provavelmente - baralhar tudo outra vez. Foi sempre assim que nasceram as estrelas rock. Pela nossa parte, quando estamos a ensaiar nunca paramos para dizer: "Alto aí, estamos a ressuscitar o rock!". Nunca senti que estivesse a salvar o mundo.

[...] Somos apenas uma grande banda, ponto final. E, sinceramente, cheguei a pensar que o que fazíamos era demasiado bom para vender. A maior parte das pessoas detesta as bandas de que eu mais gosto: são sempre demasiado inteligentes, demasiado diferentes, demasiado qualquer coisa para vingar no "mainstream". Por isso, o que está a acontecer agora ao rock é bom, é mesmo muito bom. Ver bandas como os White Stripes no topo das tabelas faz-me muito bem ao coração. Há cinco anos atrás isto era impossível, porque o puto comum andava a comprar álbuns dos Staind.»

Braga e Praga

2003-08-22
[JOÃO BÉNARD DA COSTA]
Público

Braga
e
Praga

...Por isso, renunciando a esses temas candentes (há outras razões, mas um dia chegará o tempo de explicá-las), reparei, nas efemérides do "Diário de Notícias", que passaram ontem 35 anos sobre a entrada dos tanques russos em Praga.
Tenho várias memórias - fundas memórias - ligadas a esses dias de pavor. Deixo-as para outra ocasião, recordando apenas uma anedota que se contava quando, um mês depois (em Setembro passarão outros 35 anos) Salazar caiu da cadeira abaixo. Dizia-se que a queda fora provocada por um erro de compreensão do velho senhor. Quando lhe disseram "os russos entraram em Praga", Salazar terá percebido "os russos entraram em Braga". Compreensivelmente, estatelou-se no chão.

3 - Praga e Braga. Antes de 68, eu pensava que as cidades se equivaliam, isto é, que viver na Checoslováquia "socialista" ou no Portugal "fascista" (espero que as aspas, nestes casos, jamais causem problemas jornalísticos) era mais ou menos a mesma coisa. Viver sem liberdade (ao menos, certas liberdades), viver sem respeito pelos direitos do homem (ao menos, certos direitos), viver com escolhas limitadíssimas. Às vezes, lá para as minhas bandas, havia grande discussão sobre o mal menor. Os mais "direitistas" lembravam que em Portugal não nos tiravam o passaporte e podíamos viajar (a minoria que tinha passaportes, dinheiro para viajar e que não estava sob vigilância mais controlada). Os mais "esquerdistas" argumentavam que as tropelias de Leste visavam, pelo menos, um nobre fim e que, para lá do muro, todos tinham pão, cama, mesa e roupa lavada (mesmo que tudo isso fosse assaz rudimentar).
Em 68, percebi que por mais que pensasse de Braga o que o Raposão de "A Relíquia" pensava (quando o amigo lhe perguntou por Jerusalém, ele respondeu: "Pior do que Braga! Pior do que Braga!") não havia qualquer comparação entre viver na cidade dos arcebispos e de Santos Cunha e viver na cidade donde Dubcek fora varrido. Em Braga, vivia-se numa cidade ultraconservadora, sob um regime autoritário que podia ser duro (às vezes duríssimo) mas onde era possível vida privada, onde era possível a conspirata de café e onde era possível estar razoavelmente informado do que se passava no resto do mundo, mesmo que os jornais, a rádio ou a televisão da paróquia censurassem as novas. Não me esqueço - nem pretendo que ninguém esqueça - que havia militantes políticos (sobretudo se eram membros ou simpatizantes do clandestino partido comunista) que não tinham nem vida privada, nem direitos alguns. Mas, com a grande maioria, não se passava nada disso, como posso testemunhar, eu que jamais pretendi passados heróicos, mas assumo uma história de que não me envergonho e que esteve longe de ser neutra.
É verdade que tremia um pouco, à chegada do estrangeiro, antes de me carimbarem o passaporte, mas também é verdade que nunca me impediram viagem nenhuma. É verdade que me foi vedada a carreira docente e qualquer emprego público, mas também o é que nunca estive desempregado e que o dinheiro que ganhava me dava para o pão e para a manteiga com que o barrar (por que é que hoje me deu para o Eça?). É verdade que passei tratos de polé com a censura e que algumas vezes fui chamado à PIDE, mas sempre disse o que pensava em lugares públicos e nunca fui preso. Escutas telefónicas? Quem me faz a pergunta não é meu amigo, porque sobre esse assunto estão mais conversados os meus auditores de agora (polícias ou juízes da impoluta democracia) do que os auscultadores de antigamente.

4 - Em 1975 (precisamente, no Verão de 1975) fui a Praga, pela primeira vez. Logo à chegada à fronteira (vinha da Áustria, de carro alugado) a revisão do automóvel e das nossas bagagens (da minha mulher e minha) durou bem mais uma hora do que durava em Portugal. Nunca mais me esquecerei (primeiro símbolo) que me apreenderam o "Nouvel Observateur", exactamente como sempre a PIDE mo apreendeu, antes de 74.
Cheguei a Praga, à noitinha. Entrámos num restaurante razoavelmente cheio. Mas, segundo o hábito germânico de encher mesas enquanto houvesse lugar nelas (mesmo quando os comensais se desconhecem), sentaram-nos com um jovem casal nativo. A certa altura, naturalmente curiosos, ouvindo a língua que falávamos, perguntaram-nos donde vínhamos. Melhor dito: perguntou-nos ela, a única que arranhava um bocadinho de inglês. Ouvindo Portugal - era 1975 - choveram as perguntas, apesar das dificuldades de comunicação. A páginas tantas, o rapaz disse qualquer coisa ao ouvido da rapariga, que corou muito e lhe deu repetidas negas. Julgando que ele nos queria pôr qualquer questão mais íntima, insistimos com a namorada pela tradução integral. Custou mas arrecadou. Muito baixinho, olhando para todos os lados, ela disse-nos: "My friend wants to know if you like russians." A surpresa foi tamanha que desatámos a rir. Não foi preciso mais. O amigo levantou-se como uma seta, encomendando ao criado uma garrafa de bom vinho branco, depois uma segunda, e esgotámo-las em saúdes cúmplices. A seguir, pagou-nos o jantar. "My friend" passou a ser o vocativo deles quando se nos dirigiam.
Por mais que pense no mais anti-yankee dos portugueses, no mais anti-imperialista dos comunistas portugueses, não o consigo imaginar a confraternizar com estrangeiros só porque estes tinham achado graça a uma pergunta sobre o amor deles aos americanos.
Foi apenas um prelúdio. Conheci depois um crítico de arte - que vivia de traduções sob pseudónimo - e que saía de casa, à noite, para, com amigos, ouvir numa cave longínqua "The Voice of America", como num filme antinazi. Quando lhe objectei que o programa era péssimo (era mesmo) respondeu-me que bem o sabia, mas que nada pagava o gozo de ouvir "heresias". Nunca, na minha vida, vivi o medo colectivo como em Praga, nesses dias de 1975. A polícia metia medo ao susto e os soldados russos não ajudavam à boémia. Foi então que percebi a diferença entre uma sociedade repressiva e uma sociedade totalitária. O totalitarismo, nenhum de nós, portugueses, o conheceu, nem nas horas mais duras do salazarismo.
Salazar acabou. O comunismo acabou. Praga, que viveu o nazismo e depois o comunismo, não os terá esquecido, mas aprendeu que não se brinca com fantasmas desses. Braga, que não viveu nada disso (apesar das militaradas de Gomes da Costa e das bombas do cónego Melo), devia-o aprender também. Com os mortos não se brinca. Pelo menos, assim mo ensinaram.

quinta-feira, 21 de agosto de 2003

Prohibitions Competition™

Which Institution "No"s the Most?

ROCK NA QUINTA 2003

Sabado 23 de Agosto de 2003
1ª edição do festival da nova música bracarense.

Com a participação das bandas bracarenses
Jack in the box;
Freequency;
Sterling Moving Company;
Device e
Nevernamed.
Conta também com a presença dos
PRIME
como banda convidada.
 
O objectivo deste festival é a divulgação e promoção da nova música que se faz no distrito de Braga.
 
Este evento terá lugar na Quinta do Olival em Caldelas.
As portas serão abertas às 17:00 para que os participantes possam disfrutar do excelente espaço ao ar livre da Quinta do Olival. Os concertos terão início às 19:00.
No local existe piscina e haverá "COMES E BEBES", muita e boa música para ver e ouvir!
Os bilhetes têm um preço simbólico de 5 euros.
Este evento é organizado pela Associação de Estudantes da Faculdade de Filosofia de Braga e conta com o apoio do Governo Civil do Distrito de Braga, Instituto Português da Juventude, Rádio Universitária do Minho, Rádio + FM, Rádio 93.5 e Antena 3.
 
APAREÇAM QUE VAI VALER A PENA!
 

quinta-feira, 14 de agosto de 2003

alguma coisa

bartoon 0811 @ publico.pt

sexta-feira, 8 de agosto de 2003

Sinais de Fogo

2003-08-08
[MIGUEL SOUSA TAVARES]
Público

Sinais
de
fogo

Eis alguns sentimentos dispersos, sem nenhuma sistematização nem pretensão de ciência, proporcionados por esta terrível semana de fogo.

1 - Todos temos direito a férias, a mergulhar na água e no esquecimento um ano sem tréguas, como todos os outros. Queremos bom tempo, um sol que queima, uma água que envolve e limpa. Mas, como esquecer tudo, como desejar o sol e mergulhar na água sem preocupações, quando, atrás de nós, metade de Portugal arde em fogo de inferno e milhares de portugueses lutam sem tréguas para defender o que é seu, as suas vidas e a sua forma de vida?

2 - É impossível não ficar impressionado pelas imagens daquela gente. Os bombeiros, exaustos, dormindo em pleno alcatrão, junto aos carros, às primeiras luzes da manhã. Os soldados da GNR, mostrando o lado melhor da sua função, que é o do combate à solidão e ao isolamento das populações rurais, arriscando a sua segurança para resgatar ao fogo os que não querem abandonar as suas casas. As populações - jovens, adultos e sobretudo velhos - lutando com "caterpillars", mangueiras, enxadas, baldes e ramos, em defesa das suas casas, dos seus quintais, das suas árvores, dos seus animais. E também os autarcas, ao lado das populações, olhando as chamas e o céu, em desespero de um avião. Percebemos de repente que nem tudo está morto, num país que se diria tantas vezes letárgico. Há quem lute até ao fim, sem esperar que seja o Estado a vir salvar o que é seu. Catorze portugueses morreram até agora, neste combate heróico.

3 - Mas a ocasião é também propicia a demagogias. Um senhor já de idade, de balde na mão, defendia a sua casa das chamas que já tinham chegado ao quintal, enquanto desabafava para uma câmara de televisão que"gostaria de ver aqui esses intelectuais de meia-tigela". Mas os intelectuais de meia-tigela não poderiam ter resolvido o problema particular que as imagens mostravam: um quintal ao abandono, com o mato crescido e pilhas de madeira esquecidas no chão. Mais de metade dos 500.000 proprietários florestais do país têm os seus terrenos assim, ao abandono. E, quando ardem, a culpa é dos políticos ou dos intelectuais de meia-tigela.

4 - Arde aquilo que está abandonado. Arde o Portugal que desapareceu, o Portugal que foi desertificado pela reforma da PAC dos anos noventa e por sucessivas políticas de planeamento territorial que fizeram morrer aldeias e comunidades rurais e nascer Brandoas e subúrbios marginais. Ribeiro Teles disse-o há muitos anos: se matarem a agricultura e a pastorícia, matam Portugal. Mas ainda há quem faça a capa da revista do "Expresso", com o rótulo de "empresário ambientalista", porque, movendo influências políticas, fez uma urbanização na zona da Reserva Agrícola, junto à Ria Formosa, no Algarve. Há sempre uma excepção, um "projecto estruturante", um caso "de interesse público". É a política do "só mais um", que, um a um, vem mudando a paisagem e a estrutura física e social do país nas últimas décadas. Abre-se a excepção a montante a paga-se a factura a jusante.

5 - E arde o Portugal que quis confundir serra com floresta e floresta com pinheiros e eucaliptos. Nos anos cinquenta, quando Salazar mandou florestar o Marão, os pastores corriam de noite pela serra com tochas a arder e pegavam fogo a tudo: defendiam as pastagens dos seus rebanhos, o seu modo de vida. Hoje, já não há rebanhos nem pastores (que eram os melhores vigilantes contra os fogos), não há agricultura nas encostas e vales, não há cursos de água permanentes nem fontes, não há árvores folhosas, não há humidade nos solos, não há populações residentes nas serras (excepto os estrangeiros que compram aldeias inteiras desertas), não há vida na serra. Tudo foi secado pelos eucaliptos e pelos pinheiros, o "nosso petróleo verde", como dizia Mira Amaral. Outros, e em obediência a outros interesses, deitam fogo à serra ou ela própria arde por si, reunidas as condições ideais de combustão. Seria de esperar outra coisa?

6 - No meio das chamas, um senhor da Liga da Protecção da Natureza lembrou-se de propor que fosse cancelada ou adiada a próxima época de caça. Como se houvesse caça no eucaliptal ou no pinhal, onde não há coberto vegetal, não há sementeiras, não há comida e não há água! Já atravessei várias vezes a serra de Monchique e a serra de Ossa, inteiramente cobertas por eucaliptos, e nunca vi um coelho a correr nem ouvi cantar um pássaro. Pelo contrário, se o senhor se der ao trabalho de ir ver com atenção, estou certo que descobrirá que poucas são as reservas de caça bem mantidas que arderam. Primeiro, porque é diferente a estrutura vegetal, depois, porque são vigiadas, mantidas, limpas, são feitas sementeiras que cortam a continuidade do mato, estão abertos os caminhos e os corta-fogos e estão mantidos os pontos de água. Mas o país que nada percebe do assunto vai achar com certeza uma excelente ideia fazer os caçadores pagar pelos fogos (e, a propósito, este ano não há touros de Barrancos?)

7 - Diz o director da PJ que 30 por cento dos fogos desta semana tiveram mão criminosa. É um número razoável, fora das habituais especulações delirantes que costumam apontar para 90 por cento ou cem por cento. Pessoalmente, sempre desconfiei de explicação tão simples e desculpabilizante. É como as explicações que insistem em impingir-nos de que o excesso de velocidade é o responsável por todos os acidentes nas estradas: nunca é a má sinalização e a má condução, potenciada por um ensino incompetente, por uma avaliação corrupta e por um sistema de repressão que persegue a infracção e não o sinistro. O mesmo com os fogos: se são todos fogos postos, ninguém tem culpa e não há nada de radicalmente diferente a fazer, senão esperar que arda e esperar que se apague.

8 - Em todo o caso, fogo posto ou não, é difícil de entender por que não pode ele ser previsto e vigiado na origem, antes de tomar proporções incontroladas. Não é só obrigar os proprietários e o próprio Estado a manterem as suas propriedades florestais em condições. É também perguntarmo-nos porquê que, enquanto o país arde, se juntam todos os ex-chefes do Estado-Maior do Exército em conspiração contra o ministro da Defesa, mas nem um só se lembra de propor que os 20.000 efectivos do Exército sejam destacados todos os anos para o terreno, para fazerem vigilância, abrir caminhos, defender as populações e ajudar os bombeiros na retaguarda, em lugar de ficarem nos quartéis a servir almoços e "bicas" aos oficiais. Ou o Exército não tem por missão defender o território? Se serve para o Kosovo ou para o Iraque, não serve para Portugal? E porque temos nós de pedir ajuda aérea à NATO, à Itália, a Marrocos, quando temos vinte F-16, cada um deles custando o mesmo que dez aviões de combates a fogos, encostados porque não há pilotos? E os mais de duzentos milhões de contos que vão ser gastos em dois submarinos destinados a combater um inimigo invisível e um perigo inexistente, quando afinal o perigo é real e está cá dentro: é a poluição das costas, a pesca ilegal dos espanhóis, as lanchas dos contrabandistas de droga, os incêndios?

9 - Pois, não é a hora para pedir responsabilidades políticas. Nunca é a hora, quando será a hora? E, pensando bem, seria injusto exigir por junto a cabeça do manifestamente incompetente ministro da Administração Interna. Que mal fez ele que não fizesse outro qualquer que não tenha o beneplácito do Governo, dos sucessivos governos e das suas políticas instaladas? O primeiro-ministro não afirmou no mês passado que o nosso futuro, quase todo o nosso futuro, assenta no turismo e no turismo tal qual o temos? Para que serve então o interior do país, se não para plantar pinheiros e eucaliptos e vê-los arder, quando as coisas correm mal? Aliás, como notou Jorge Sampaio, a culpa dos incêndios é fundamentalmente do calor. Do calor, dos ventos, da ausência de humidade.
Da natureza, numa palavra. 
Raios partam a natureza!